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Atualidades via psicanálise
Apresentação
Jacques Derrida, em seu discurso de abertura dos Estados Gerais da Psicanálise em Paris, falava - entre outras coisas - da necessidade de a psicanálise retomar uma vertente muito valorizada pelo próprio Freud, aquela que tem como objeto de interesse a cultura e suas produções e cujo modelo mais evidente é o sempre atual "O Mal estar na cultura".
Em nosso último encontro dos Estados Gerais, o Latino Americano, apresentei um texto - "Uma psicanálise que não resiste a si mesmo" - onde abordava os acontecimentos de 11 de Setembro, o atentado nas torres gêmeas do World Trade Center.
Retomo agora a proposta com a qual terminei aquele texto: a criação de um forum de reflexão psicanalítica sobre a realidade política, social e cultural que vivemos. O campo é, evidentemente, imenso. Cabe-nos recortá-lo e dele destacar o que nos interessa e intriga.
Todos os interessados serão benvindos.
Sérgio Telles
PS - As pautas das reuniões estão abertas. Mas, como proposta, cito três temas que poderíamos discutir nestes encontros.
Primeiro. Estamos no início da campanha eleitoral pela presidência e a propaganda nos atinge a todos. Fico perplexo com a despreocupação com a verdade dos discursos políticos.
Como poderiamos entender tais discursos? Seriam fabulações deliriosas de borderlines? Seriam francos delírios que negam radicalmente os fatos? Onde ficam a memória, as lembranças que facilmente se oporiam às ficções que vinculam tais discursos? A propaganda e a publicidade, por definição, não tem nenhum compromisso com a realidade?
Tais questões parecem-me especialmente incômodas para aqueles, como nós, que trabalham diariamente para desvendar a verdade do desejo dos analisandos, resgatando-a dos mecanismos inconscientes que a fazem inacessível e irreconhecível. Teria isso algo a ver com a manipulação consciente e deliberada dos discursos políticos e publicitários? Um analista tem algo a ver com isso? Um cidadão psicanalista teria algo a ver com isso?
Segundo. A situação político-social na Argentina levanta muitas questões importantes. Ali parece haver uma falência da representação política. A população chegou ao limite de tolerância com aqueles que são seus representantes, que ali estão eleitos pelo seu próprio voto. Os cidadãos querem falar em seus próprios nomes, não se acreditam bem representados pelos políticos.
Muitas vezes pensamos, aqui no Brasil, que, devido ao analfabetismo, o coronelismo, os votos de cabresto, os currais eleitorais, nossa democracia não passa de uma triste farsa. Imaginamos que quando nossa população for alfabetizada, educada e politizada, seguramente votará melhor, escolhendo representantes mais conscientes da coisa pública.
Esse pensamento esperançoso logo se desvanece quando vemos o que ocorre atualmente na Argentina. Se compararmos com a população brasileira, a argentina é muito mais alfabetizada e politizada que a nossa e, entretanto, tem feito escolhas catastróficas, elegendo - da mesma forma que aqui - políticos corruptos e incapazes, configurando o quadro atual.
Como entender isso? Haveria uma dissociação e regressão nos eleitores, que continuam a ver nos governantes figuras paternas idealizadas (ou não), a quem delegam o poder de forma irracional e infantil, abdicando de uma posição adulta e crítica? Continuaríamos pensando como o personagem de Cícero que diz que o melhor governante é o rei, por ser ele o que melhor encarna a figura e a autoridade do pai?
Terceiro - Como foi dito, na Argentina, os cidadãos querem falar em seus próprios nomes, não mais confiam em seus representantes, não se sentem por eles representados. Há pois uma crise nas instituições políticas.
Curiosamente, um dos aspectos mais valorizados de nosso movimento Estados Gerais da Psicanálise é, justamente, o fato de cada um falar por si próprio, o não querer ficar representado por qualquer instituição que seja. O que ocorre com os cidadãos da Argentina e os psicanalistas dos Estados Gerais tem as mesmas motivações? O sistema de representação está falido? Como pensar uma instituição psicanalítica que seja efetivamente representativa dos interesses da psicanálise e dos psicanalistas e não estruturas de poder reproduzem e alimentam a regressão e a infantilização de seus membros?
Bom, como disse, são apenas alguns itens que mais imediatamente saltam aos olhos. Vamos escolher nos nossos encontros aqueles que mereçam nossa atenção.
Aguardamos os interessados nas datas marcadas.
Até lá.
Sérgio Telles
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