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Jacques Derrida e René Major no Rio:
Um compromisso com o futuro da psicanálise
Em 7, 8 e 9 de junho, receberemos Jacques Derrida, o Estrangeiro, tal como ele se anuncia em "Os estados da alma da psicanálise", assim como seu amigo e interlocutor René Major, para a realização de um workshop no Planetário da Gávea (programação em anexo).
Durante Os Estados Gerais da Psicanálise, em julho de 2000, recebemos do Estranho Visitante a intimação de pensar uma psicanálise ainda por-vir, necessariamente comprometida com a análise de seu presente e de seu passado. Um pensar "sem alibis", diz ele, deixando-nos intrigados, pelo uso desta expressão, quanto ao crime ou delito em que psicanálise e psicanalistas teriam incorrido, ou estariam envolvidos, em relação a si próprios e a seu tempo. Este tempo, sendo agora o nosso, deverá fazer parte desta análise, assim como a própria psicanálise.
Em "Os estados da alma...", esta intimação é posta em termos de uma nova revolução psicanalítica a ser pensada por uma psicanálise por-vir, compreendida como sobrevivente de um tempo imemorial de soberania e crueldade (dela com ela própria, inclusive).Tempo este que permanecerá, segundo a hipótese de uma pulsão de morte soberana.
Entretanto, Derrida quer ir além , além do para além do princípio de prazer, isto é, além de uma economia do possível, que, segundo ele, é a que Freud realiza na elaboração de seus dualismos pulsionais e princípios correlatos. Seu pensamento move-se na direção de uma ética para além da pulsão de morte, de apoderamento, da soberana crueldade, delineando no horizonte sem fronteiras de nosso tempo as figuras de um Incondicional Impossível (o dom, a hospitalidade, o perdão, o talvez, os indecidíveis, a vinda incondicional do Outro) que poderiam estar envolvidas em estratégias da "différance" na tentativa de combater a indiferenciação que nos ameaça.
A sobrevida da psicanálise ("a única vida que merece ser vivida"), que inclui o luto a ser feito das muitas mortes (das suas? do mundo? dela no mundo? da morte de Deus?), é condição, segundo e com Derrida, para que possa se abrir para a psicanálise um tempo da amizade e da hospitalidade.
Utopia, diante da irredutibilidade da pulsão de morte? Por que não? São novos modos de pensamento que Derrida nos propõe, o dos indecidíveis, o da promessa que acolhe o futuro sob a forma do talvez, e a partir disso a possibilidade de tornar o impossível possível . Cabe-nos, diz um Derrida fiel à Freud, descobrir os "meios indiretos" para diminuir os efeitos de uma pulsão de morte irredutível nas suas várias formas de expressão. Estratégias da ordem da "différance" numa economia do desvio, numa aneconomia.
Quanto a estes meios oblíquos ou indiretos, Derrida acrescenta, ao dizer que eles se fazem a partir de uma descontinuidade do saber psicanalítico na direção dos outros saberes. Esta descontinuidade do indireto pode se abrir para a transformação por-vir da ética, do direito, da política, a partir de uma tomada em consideração, pelos outros campos, de uma psicanálise que se fez possível por um salto para fora do saber psicanalítico, por um salto no indecidível de sua relação com os outros saberes e praxis. Indecidível que admite vida-morte, especificidade-inespecificidade, eu diria. Talvez aqui Derrida aponte para a possibilidade de que analisemos (ou não) uma das resistências da piscanálise a ela própria (e, portanto, ao mundo, segundo seu pensamento) : o fantasma da perda da sua especificidade na relação com os outros campos do saber e com a vida em geral. Sua principal função, me parece, é a de nos manter sob o jugo de uma lei que condiciona a vinda incondicional do Outro, do radicalmente diferente, ou estranho.
A presença da psicanálise no mundo não significa a sua vinda. Talvez Derrida, o Estrangeiro, cuja errância não indiferente é capaz de criar tantos laços, seja um daqueles que esteja dizendo à psicanálise "Vem".
Glaucia Dunley
corbineau@aol.com
Rio, 20 de maio de 2001
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