Fórum Social Mundial

25 a 30 de janeiro de 2001

Sujeito contemporâneo: sujeito neoliberal?

Mirian Giannella

De início, parabenizo a iniciativa de Paulina Rocha de ter nos inserido nesse evento tão importante e de tamanha repercussão mundial, propiciando-nos este espaço de reflexão e projeção de futuro, de recriação de fantasias, de transformar utopias em projetos, de sin-tonia numa nova freqüência global para tomarmos nosso futuro em mãos, o futuro dos hu-manos nas cidades, estados, países, planeta. A primeira planetária pretende articular ações globais. Visões otimistas debatem com outras mais pessimistas, as críticas pessimistas indi-cam os pontos onde se deve focar a atenção para que desperte de sua morte. A sociedade é bem mais dinâmica do que se pode imaginar.

A globalização não afeta da mesma forma a todos devido a variedade dos lugares. Seria o sujeito contemporâneo depressivo, não vendo aberturas nesse momento? Depressi-vos, melancólicos, loucos que não se cansam de dizer sua verdade, insistentes nas suas do-res chatas, que persistem em busca de reconhecimento, enquanto não alcançam uma sanção simbólica que os instaurem enquanto sujeitos tenta se redizer, redizer, redizer até encontrar forma de ser ouvido, encontrar sentido, continuidade, não estão isolados como pensam.

E temos o sujeito contemporâneo neoliberal, compulsivo, maníaco por computador, em receber e-mails com as novas notícias, textos, encontros, eventos, lançamentos, vida cidadã, navegando nos sites, encontrando assuntos, associações, empresas, serviços, cida-des, países, universidades virtuais, participando ativamente dos acontecimentos, inclusive de eleições globais, fluindo conhecimentos em massa gratuitamente ou a baixo custo. Não há como não se excitar com a perspectiva. Inclusive a de que estão todos se conectando. É uma nova onda arrebatedora. Trabalhadores do mundo, conectem-se! Trabalhadores orga-nizam-se em cooperativas para atenderem uma demanda maior. É inegável a facilidade nas comunicações, podemos nos dedicar à muitas causas justas.

A equipe de tradutores voluntários para o fórum, organizados numa lista de discus-são via e-mail, fazendo traduções e revisões por e-mail, percebe a intensa necessidade de trocas de revisões técnicas, buscam revisões dos falantes da língua de origem do texto que está traduzindo se não é a sua língua materna e precisam saber para quem apelar nos mo-mentos de dúvidas. Forma-se uma rede permanente de tradutores éticos, a "solidarietrads". Mas junto, precisam estabelecer além de uma troca de conhecimentos, um preço aceitável para ambos em caso de trabalhos remunerados. Os preços estão aviltados! O menor preço leva o trabalho. É a competição, a concorrência esmagadora.

O texto que traduzi para este fórum chamado "A expropriação do devir mundial" de Riccardo Petrella indica entre tantas outras expropriações dos direitos humanos que a cidade foi expropriada de sua função de espaço das comunidades: querem fazer dela lugar de não-pertencimento, de fluxos, de velocidade, por onde se passa e se perde num noma-dismo permanente sem memória.

Tanto ele tem razão que projetos já estão sendo implantados por toda parte visando a recuperação e valorização dos centros históricos das cidades, tornando-os espaços cultu-rais da comunidade através de exposições de arte, eventos culturais, shows de música, co-mo em Salvador e em São Paulo. Foi com grande prazer que ouvi essa notícia no sábado, 20/01/01 e no domingo, a Revista da Folha mostra uma São Paulo renovada, com seu cen-tro histórico reformado. A Cracolândia, na Rua General Osório, que visitei quando traba-lhava num programa da prefeitura, o PROASF, Programa de Assistência Sócio Familiar, articulado com o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, e tive a oportunidade de dizer à presidente, Nancy, o meu repúdio pela situação, era 1996, quando fomos até lá, podia se ter uma noção no real da perversão social, homens oferecendo drogas às crianças em plena luz do dia aos olhos de todos, crianças virando luz no meio da praça com ponto de ônibus, crianças tomando os aviões para a morte em meio aos transeuntes, pois depois de se doparem ali mesmo nas calçadas ficavam em convulsão caídas por ruas totalmente degradadas. Estas ruas foram transformadas em "palco do chorinho", inclusive dando reco-nhecimento cultural a este gênero belíssimo, até hoje marginalizado. Iniciativas como esta que restauram ao cultural sua variedade, dramaticidade e transcendência, dão à cidade um espaço de expressão e recriação da vida, é que devemos abraçar e multiplicar. Mas a per-gunta fica: Onde estão estas crianças? Só mudaram de lugar?

Este programa PROASF era de casas abrigo para crianças e adolescentes em situa-ção de risco, isto é, ameaçados de morte por comerciantes locais. A exclusão faz com que outras éticas opostas adquiram poder, como estamos vendo nas cidades, que se não tomar-mos o futuro em mãos, se não promovermos atividades educativas, recreativas e culturais para as nossas crianças, corremos o risco de sermos todos ameaçados de morte pelo crime organizado. Ameaçar de morte virou moda, nova gíria da moçada, quando não matam mesmo! Crianças da escola pública ameaçam de morte alunos da escola privada na Vila Madalena, um bairro de São Paulo. Aconteceu recentemente. A vida está aviltada! Pode-se ler isto como sintoma de que as coisas vão mesmo muito mal!

Estariam mesmo os loucos fora da linguagem? Será que para eles de fato o processo de simbolização está definitivamente excluído? A luta antimanicomial continua, a lei admi-te ainda que hospitais psiquiátricos sejam criados no Brasil, enquanto projetos de atendi-mento bem sucedidos com Hospitais Dia, Lares Abrigados, Residências Terapêuticas e Centros de Atenção Psico social têm uma concepção mais humanizante e precisam se mul-tiplicar.

Embrutecer para dominar é que não pode mais ser a ética da psiquiatria e da política subjacente. Está em questão o limite do outro, não agüentamos mais ser explorados, expro-priados, subjugados. Este é o momento para construir um futuro mais humano, elevar o outro ao estatuto de sujeito, restaurar o decaído, renovar o velho, curar as feridas, recriar a vida, reinventar o mundo.