Dimensões do envelhecer na contemporaneidade

Mônica Messina

Autora: Mônica Messina, psicanalista, membro titular da Formação Freudiana. Trabalho apresentado no 2º Encontro Temático em Gerontologia em agosto de 2002.
Endereço: Rua Sorocaba 765/ 101, Botafogo, Rio de Janeiro.
Email: monica_messina@hotmail.com

Dimensões do Envelhecer na Contemporaneidade

Title: Dimensions of Aging

Considering the rapid evolution of modern healthcare technology, is it possible to determine with any degreee of accuracy the actual onset of "old age"? And,would the determination still have any validity even a year from now? How has the aging process changed in todays contemporary society? How can we define these changes? These are questions that must be faced as our senior citizens experience major changes in their lifestyles. Attention must be focused on these issues and new solutions devised to deal with these profound and ever changing developments.

Of the various aspects I have considered with respect to the dimensions of aging in contemporary society, I have chosen three primary areas:

1) The loss of the symbolic social and political function of the elderly.

2) The slow onset of old age compared to the very rapid changes in the modern social structure and the effects of these changes on the subjectivity of the people.

3) The loss of the natural erotogenic function of the aging body.

Key Words: aging, subjectivity, body, erogenicity

Considerando a velocidade da evolução das tecnologias de cuidados com as pessoas, alguém poderia, hoje, determinar com precisão qual é a idade a ser considerada como início da velhice? E no amanhã, será que esta mesma idade ainda permaneceria válida? Como os sujeitos estão envelhecendo na atualidade? Que velhices estão sendo produzidas na contemporaneidade?

Essas são questões que nos atravessam, que nos afetam de modos diferenciados, exigem uma nova escuta e que ainda precisam ser melhor elaboradas, até para poderem ser respondidas.

Dos vários aspectos que se poderia pensar a respeito dessas questões, considero fundamental abordar três pontos básicos, referentes às dimensões do envelhecer na realidade contemporânea. 1-) no primeiro, procuro apontar a perda da função simbólica da velhice no contexto político e social atual; 2-) no segundo, abordo a lentidão da velhice em contraposição à velocidade contemporânea das mudanças e seus efeitos na subjetividade dos sujeitos e 3-) no terceiro, comento a perda do estatuto erogênico do corpo do velho no regime das identificações corporais.

Quanto ao primeiro ponto, penso que são múltiplas as dimensões do problema do envelhecimento no contexto da realidade contemporânea. Vivenciamos hoje uma realidade em que impera a ausência do Estado do bem-estar social em nosso cotidiano, que produz um esvaziamento, bem como a falência de nossas instituições em nome de um neoliberalismo que, na verdade, só produz desigualdade, a exclusão, a violência, sem falar no empobrecimento do pensamento. Levados a vivenciar um individualismo exacerbado, nos tornamos órfãos de uma filiação simbólica e nostálgicos de uma autoridade paterna como representante de uma verdade, de um poder. Com todas as instâncias protetoras em crise, não há mais centro que se sustente nas relações contemporâneas e que, consequentemente, as sustente por sua vez.

Essa realidade é muito diferente da que ocorria nas sociedades tradicionais, onde as estruturas simbólicas de parentesco eram estáveis e conferiam aos sujeitos, ao longo de suas vidas, um nome, um lugar, um destino. Nessas, a velhice tinha um lugar positivo, os velhos ocupavam um lugar de respeito, de sabedoria, e suas produções e histórias, fazeres e dizeres, davam significados e sentidos à vida. Hoje, não se conta mais com referências fixas de tempo e de espaço, de presente e futuro.

Assim sendo, que laços sociais são necessários ou possíveis de se fazer a fim de convocar os sujeitos a fazerem uso do pensamento como mediador de suas relações, de suas diferenças e de suas responsabilidades, buscando reinventar outros modos de convivência, que não excluam os velhos, recolocando-os num lugar positivo dentro da sociedade?

Num sistema capitalista, que cumpre a promessa do sujeito poder contornar o desejo através do acúmulo de bens, não como resposta à suas necessidades, mas pelo valor imaginário que têm numa sociedade de consumo como a nossa, onde o prazer está no quanto você possui e gasta frente ao outro que não tem nada, marcando assim um lugar da falta, quem não está incluído nesse circuito de produção e consumo nem é considerado cidadão. Envelhecer dentro desse contexto implicaria talvez em ter que acumular durante a vida, não circular nem gastar, a fim de ter uma reserva como forma de se garantir na velhice?

Na verdade, essa demanda de “ter que gastar” para obter prazer, esse incentivo ao consumo, se consome em sua própria instantaneidade e leva os sujeitos a uma fragmentação, impedindo-os de refletir sobre quem eles são e de se comprometer com seus desejos.

Cito alguns exemplos onde uma apreciação positiva da velhice é possível. É o caso de velhos de países onde há crise econômica extrema, que retomam um estatuto importante como no século passado, recaindo sobre eles a responsabilidade do sustento de seus descendentes, através de suas pensões ou poupanças. Outro exemplo, é quando se tornam guardiões de crianças em famílias onde as mulheres e todos da casa são obrigados a se colocar no mercado formal ou informal de trabalho.

Quanto ao segundo ponto, constatamos que os avanços tecnológicos instalam continuamente situações paradoxais que produzem efeitos psíquicos na subjetividade dos sujeitos, sem que isso resulte necessariamente numa plasticidade emocional ou num bem estar psíquico para os mesmos. Um exemplo clássico, no caso dos mais velhos, que por não se reciclarem, são deixados às margens do turbilhão digital e ficam ainda em maior desvantagem na disputa do mercado de trabalho. Levados muitas vezes a uma aposentadoria precoce em função da renovação por uma mão de obra jovem e cada vez mais especializada, perdem o lugar. Essa realidade, no entanto, não evita a proliferação no cotidiano de um contingente de sujeitos “envelhecidos precocemente”, rejeitados pelo social porque aos 45, 50 anos de idade já estão excluídos do mercado de trabalho ( Katz, 1996) e do exercício de suas produtividades.

A velhice dentro desses parâmetros atuais sofre uma remodelação quanto à sua condição e representatividade social, além de ganhar um estatuto negativo e depressivo.

Bobbio ( 1997) fala da velocidade com que as correntes de pensamento e de idéias se alternam na atualidade e as compara, às modas, pelo que ambas têm de efêmero. Ele contrapõe à maior agilidade mental que essa velocidade exige do velho, a lentidão dos movimentos do corpo e da mente, que, na velhice, requerem tempos cada vez mais prolongados. Segundo ele, o velho lida com essa angústia buscando refúgio na memória viva de um tempo estável e equilibrado, de modo a permanecer fiel a valores aprendidos e interiorizados durante a vida. E mantém seus hábitos como forma de resistência às mudanças, ao tempo do futuro, não porque não o entenda, mas por falta de vontade, de motivação e velocidade psíquica para compreendê-lo.

Podemos pensar que aqui o movimento repetitivo da pulsão representa a própria condição da memória e da historicidade do sujeito. Entretanto, podemos nos perguntar se essa permanência do velho preso ao automatismo dos hábitos não iria de algum modo contra o movimento inerente da vida, seu ímpeto criador.

Se por um lado os hábitos implicam numa eficiência porque reproduzem uma história, uma ação bem sucedida, por outro, não manteriam esse velho preso numa compulsão à repetição, só podendo lidar com o mesmo e não dando lugar para o diverso?

Estaria em jogo aqui um medo de sofrer diante do que é estranho ao corpo envelhecendo (simbolicamente-fisiologicamente) ou um medo do desconhecido? O medo do desconhecido como sendo o medo de todo neurótico que resiste a romper com a repetição sintomática; já o medo de sofrer podendo delinear uma depressão.

Fédida (2002) define a depressão como uma doença humana, constitutiva da existência e que teria uma positividade. Afinal, todos vivenciamos estados depressivos mesmo que passageiros ao longo da vida, passamos por contrariedades, decepções, lutos etc.

No entanto, a temporalidade da vida psíquica que implicaria num tempo de poder lembrar, representar, desejar, projetar, no sujeito deprimido esse tempo aparece como que congelado na imobilidade do corpo. A depressão seria o afeto que implicaria nessa alteração do tempo, nessa perda da comunicação intersubjetiva e num empobrecimento da vida subjetiva.

A pergunta aqui seria: como é possível vivenciar a temporalidade de uma depressão na velocidade contemporânea, diante do recurso do uso de medicamentos de última geração, muito eficazes na cura dos sintomas, que ao mesmo tempo em que reduzem a angústia também livram o sujeito da responsabilidade por seu mal?

Penso que a resposta está na possibilidade de o sujeito encontrar lugar para uma fala que pede um tempo para ser escutada, pois, em se tratando da vida psíquica do humano, não se pode poupar tempo para essa escuta. Desse modo, acredito que o sujeito possa vivenciar a depressão como um momento fértil, que o possibilite experimentar um desdobramento de seus desejos e sentimentos e voltar a produzir uma tensão para com seus objetos cotidianos.

Quanto ao terceiro ponto, na sociedade contemporânea o corpo se constitui num paradigma fundamental. Corpo por onde circulam nossos conflitos pulsionais, onde nossas representações recalcadas são traduzidas, por onde expressamos nossas emoções, nossos apetites e nossas trocas com o mundo. Corpo que ao mesmo tempo é objeto de nossa estima mas que também é objeto e fonte de uma insatisfação permanente. Como pensar o corpo erogênico dos velhos no regime das identificações corporais, com seus modelos de corpos esvaziados, peles, bundas e seios caídos e suas próteses corretivas, nestes tempos em que os valores simbólicos estão empobrecidos, onde vigora cada vez mais um apelo à cultura do corpo, idolatria que nos é vendida o tempo todo.

M.R.Kehl fala que em função do poder da mídia eletrônica, a constituição das subjetividades dos sujeitos fica cada vez mais reduzida à dimensão da imagem, o que produz conseqüências psíquicas, pois, “as formações imaginárias se organizam em torno do eu narcísico, das identificações e das demandas de amor e reconhecimento, o existir por intermédio da imagem torna insuportável qualquer forma de exclusão. Se eu não sou visto, eu não sou “. (Kehl, 2002, pag.25).

Sabemos que é através de nossa experiência pessoal, da relação de nosso corpo com outros corpos que construímos nossa imagem corporal. Como os sujeitos estão estruturando sua auto-imagem, que sentimentos fazem conflito ou conciliam-se com essa imagem que nos é imposta de um corpo perfeito, sarado, e que parece ocupar em nosso psiquismo o lugar e a função dos ideais?

O corpo do velho, que tem modalidade anatômicas e modalidades de encontro com outros corpos, perde seu estatuto erogênico com a erosão natural e irreversível da velhice. A imagem que ele tem de si próprio não permanece mais assegurada. Algo em seu corpo não se equilibra mais e se destrói permanentemente enquanto sua mente permanece inquieta por viver. O velho passa então a vivenciar uma amarga dicotomia entre corpo e mente.

A Medicina, por sua vez, oferece a possibilidade de retardar ou evitar o processo do envelhecimento através de suas intervenções cirúrgicas, reparadoras e estéticas. Por temer a velhice, é maior a cada dia o número de pessoas que buscam esses recursos ao perceberem os primeiros sinais da idade. Esse fato faz com que se perca um pouco o senso do que seja envelhecer, ao mesmo tempo que produz uma nova configuração corporal, que altera a imagem do sujeito velho, sua semelhança familiar, suas características herdadas, suas marcas vitais, numa busca por substituir um traço individual por um outro idealizado diferente do seu.

Os avanços da Medicina não estariam ajudando a construir um imaginário da imortalidade?

Cito Breton que diz: “o homem existe através das formas corporais que o inserem no mundo e que qualquer modificação de sua forma implica outra definição da sua humanidade. Se suas fronteiras são traçadas pela carne que o compõe, cortar-lhe ou acrescentar-lhe outros componentes metamorfoseia a sua identidade pessoal”. O que se coloca em jogo, nesses casos, seria uma insuportabilidade narcísica frente a finitude humana? Ou uma recusa da vulnerabilidade do corpo aliada a uma necessidade permanente de inventar objetos que possam preencher essa insatisfação ao invés de aprender a conviver com ela?

Essa fetichização do corpo que marca a modernidade já não traria implícita a verdade da castração? Estaríamos produzindo novas e belas velhices, ou velhices desumanizadas com seus corpos sem idade?

Na verdade o que parece se buscar na contemporaneidade é uma imagem corporal segundo um modelo de um corpo jovem e de atividade, com uma temporalidade própria, de movimentos rápidos resistentes ao envelhecimento, à transformação, que representam apenas uma ilusão de juventude eterna .

Entretanto, é inegável que as intervenções externas da Medicina no que se refere à reconstrução do corpo e seu controle, bem como nos temas da reprodução assistida, clonagem, congelamento de embriões, mapeamento do DNA, trazem desdobramentos importantes. As inovações da genética, numa mistura biológica e social, repercutem no encadeamento das gerações, como nas procriações artificiais, que mudam o ordenamento das gerações, possibilitando que uma avó por exemplo, possa parir ao mesmo tempo que sua neta.

As interferências que esse fato produz no elo genético e familiar, nas memórias das linhagens familiares, ainda precisam ser melhor elaboradas.

Visto esses três pontos, penso que falta ainda fazer algumas pontuações sobre o tema.

Certamente que a sexualidade e a afetividade perpassam todas as questões do envelhecer, na medida em são a essência de nossa atividade enquanto humanos. Sabemos que sexualidade nunca pode estar desvinculada do corpo; nem do desejo inconsciente, esse estranho que habita e age em nós e do qual nunca estamos descomprometidos; e nem das conseqüências psíquicas das diferenças anatômicas entre os sexos ( Costa, J.F, 1992 ).

Quando falamos de sexualidade, estamos sempre nos referindo à multiplicidade de relações afetivas e sexuais polimorfas dos sujeitos ao longo da vida, daí não podermos falar em uma organização psíquica sexual única ou comum a todos os sujeitos e, muito menos, uma específica da velhice.

Levando em conta uma cultura hipersexualizada como a nossa, onde somos constrangidos a ter uma vida sexual feliz, diferente do passado quando se negava o prazer da sexualidade em prol da sexualidade reprodutiva, é preciso perguntar que elos eróticos, amorosos e conflitantes entre si os sujeitos fazem na maturidade? Parece ficar uma distância intransponível entre o ideal sexual da maioria dos sujeitos e o modo como os velhos vivenciam sua sexualidade, o que sabemos, depende muitas vezes do hábito e da existência de solicitações eróticas para manter uma vida sexual ativa. Penso que só assim a sexualidade na velhice poderia levar os velhos a experimentar afetos diferenciados, movendo-se para além dos padrões sexuais da juventude e encontrando novos modos de realização erótica, compartilhando uma verdadeira intimidade.

O sujeito que envelhece bem é aquele que conta também com seus recursos internos para modificar e pode direcionar sua libido frente a novas situações, reinventar seus modos de satisfação sexual, de acordo com seus desejos pessoais.

Finalizando, é preciso lembrar que o envelhecimento é um processo singular e que sua determinação se dá a nível simbólico. Portanto, vão sempre existir velhices diferenciadas, independente do contexto político, social em que estejam inseridas.


Bibliografia
Breton, D., O fim do corpo, caderno Idéias, JB,17/03/01
Bobbio, N., O tempo da memória, RJ, Campus, 1997.
Costa, J.F., A inocência e o vício: estudo sobre o homoerotismo, RJ, Relumé Dumará, 1992.
Fédida, P., Dos benefícios da depressão: Elogio da Psicoterapia, SP, Escuta, 2002.
Goldenberg, M, organizadora, Nu &Vestido, RJ, SP, Record, 2002.
Katz, C.S, O coração distante, RJ, Revan, 1996.
Kehl, M.R., Sobre a Ética e Psicanálise, SP, Companhia das letras, 2002.
Villaça, N./ Góes, F., Em nome do corpo, RJ, Rocco, 1998.