Lacan e Derrida: metáfora e repetição

Claudia de Moraes Rego

O objetivo deste trabalho é, através de uma apresentação recortada das posições de Lacan e Derrida sobre a letra e a escritura, demonstrar que há um equívoco em posicionar estes dois autores em terrenos antagônicos. Não pretendo nem poderia esgotar nem Lacan nem Derrida. Gostaria apenas de contribuir para aproximá-los trabalhando algumas questões, especificamente a metáfora e a repetição.

Qual a importância de Derrida hoje? Trata-se de um filósofo estruturalista, o que significa alguém que participa do momento de oposição à fenomenologia. O estruturalismo se marca por uma ruptura com o fenomenológico. O decisivo não aparece, não se mostra: há uma ordem, um sistema por baixo. Esta metáfora poderosa encontra sua expressão também na psicanálise: o decisivo no psíquico não é o que aparece; há um sistema, inconsciente, que é o determinante.Derrida, além de se inscrever no grupo dos estruturalistas, foi além. Centrou seu esforço na denúncia do logocentrismo ocidental que funda toda a metafísica. O logos é a palavra, a razão, a consciência. Derrida propõe o texto, a escritura. Neste trabalho vai a Platão ( A Farmácia de Platão ), Freud ( Freud e a cena da escritura ) e dialoga com Lacan a propósito do seminário da Carta Roubada ( Le porteur de la verité ).

Qual a importância de Derrida hoje? Este filósofo unheimlich, no dizer de Sarah Koffman, tornou-se referência obrigatória de todos os artistas, escritores e trabalhadores da textualidade em geral, isto é, da cultura. Resume o cerne do pós-moderno que nos faz reencontrar Freud em sua incurável pós-modernidade: o texto é um palimpsesto: "terreno vago, página obcecada. Inocência sempre oferecida e reserva infinita de marcas." ( Derrida )

O texto, escrito sempre foi pensado pelo lado da fixidez, fixação, inscrição. "Vale o escrito" no jogo do bicho. Palavras voam, o escrito fica. A letra da lei. "Estava escrito", isto é, era inevitável. Uma escrita: Fluminense é freguês do Vasco. O sujeito se curva a algo que é mais forte que ele"destino, karmaa, moira. É momento de diminuição de "liberdade", sobredeterminação do sujeito.

No entanto, no espírito da pós-modernidade, já superados os ideais libertários comunistas e revolucionários, o texto vem a se constituir no signo da criação, do movimento, da viagem, da deriva. Quando Derrida propõe desconstruir o logocentrismo e promove a escritura é no sentido de uma disseminação, de uma reabertura das Bahnungen.

A produção cultural e artística no pós-moderno é um operar incessante sobre os textos, alteração, desvio, violação,superposição, deslocamento. Como conciliar, portanto, o que de repetição há na escritura com este trilhamento incessante que parece, numa primeira aproximação, retomar os temas da liberdade? Como conciliar a fixidez da escritura com a disseminação, eterna metonímia, eterna deriva?

Antes de entrar propriamente na questão da metáfora e da repetição, gostaria de analisar dois episódios do encontro entre Lacan e Derrida relatados por Roudinesco em sua História da Psicanálise. No primeiro, as coisas são colocadas por Lacan nos seguintes termos: "o senhor não se conforma que eu já tenha dito tudo o que o senhor tem vontade de dizer." Lacan repetiria esta afirmação, em outro momento. Me parece que há aqui um reconhecimento implícito de que não há oposição entre suas teses e, sim, disputa autoral. É estranho que, num momento histórico em que se fortalece a idéia da morte do autor ( inaugurada por Freud ), estes dois disputem a autoria ou precedência.

O segundo episódio é francamente enigmático e nos põe exemplar e dramaticamente diante da própria questão central de toda textualidade: será possível chegar a uma interpretação? Existirá a verdade recalcada do texto? A carta tem um destino ou muitas possíveis paradas? Será que todo sentido retorna ao falo? Ou mesmo, sendo toda significação fálica, o que significa o falo afinal?

O segundo episódio é o seguinte: tendo Lacan anunciado mais uma vez que falou sobre os temas que Derrida está trabalhando, este se dirige a Lacan e lhe conta a seguinte história: uma noite, quando seu filho Pierre começava a adormecer na presença de Marguerite, ( o menino ) perguntou ao pai porque o estava olhando:

- Porque você é bonito.

Imediatamente o menino reagiu, afirmando que o cumprimento lhe dava vontade de morrer. Um pouco inquieto, Derrida procurou saber o significado desta história:

- "Não gosto de mim", disse o menino.
- "E desde quando?"
- "Desde que comecei a falar."

Marguerite tomou-o nos braços:

- "Não te aflijas, nós te amamos."

Pierre solta então uma gargalhada:

- "Não, nada disso é verdade, eu sou um trapaceiro danado."

Algum tempo depois Derrida lê sua história em uma transcrição de uma conferência de Lacan em Nápoles, em 1967. Transcrevo o texto: "Sou um trapaceiro danado, diz um garoto de 4 anos, enroscando-se nos braços de sua genitora, diante do pai que lhe acaba de responder: "Você é bonito" à pergunta "Por que você está me olhando?" E o pai não reconhece aí (mesmo tendo o menino, no intervalo, fingido ter perdido o gosto por si desde o dia em que falou) o impasse que ele mesmo induz no Outro, brincando de morto. Cabe ao pai que me disse isso me ouvir daqui ou não".

Por que Derrida conta esta história para Lacan? Demanda de análise? Ou, ao contrário, pretendendo uma interpretação sobre a atitude de Lacan, ou seja, Lacan corteja Derrida porque o acha bonito? De qualquer maneira, o que se coloca em cena é o pai, o filho e a linguagem como possibilidade de dizer sempre outra coisa: "Nada disso é verdade".

Esta relação pai-filho, esta disputa pela precedência ( o filho que origina o pai) e pela autoria, nos remete ao Fedro de Platão. Sócrates quer saber sobre o que convém ou não convém escrever. Trata-se de uma questão moral: quais as condições para agradar os deuses? Diz Sócrates: "Conheço uma lenda que nos foi transmitida pela tradição antiga. Se é verdadeira ou falsa, não sei, mas, se por nós mesmos pudéssemos descobrir a verdade, importar-nos-íamos com o que os homens dizem?"

Estamos então no mesmo terreno: temos o mito, uma historinha que nos foi contada e não sabemos se é verdadeira ou falsa. Uma vez que a coisa está perdida e só nos restam as palavras, é com elas que temos que nos ver e, portanto, como diz Sócrates: "Pois bem: ouvi uma vez contar que na região de Náucratis, no Egito, houve um velho deus deste país (deus a quem é consagrada a ave que chamam de íbis ) e a quem chamavam Thoth. Dizem que foi ele quem inventou os números e o cálculo, a geometria, a astronomia, bem como o jogo das damas e dos dados e finalmente, fica sabendo, os caracteres gráficos (escrita). (Nesse tempo todo o Egito era governado por Tamuz, que residia ao sul do país numa grande cidade que os gregos designam por Tebas do Egito, onde aquele deus era conhecido pelo nome de Ámon. Thoth encontrou-se com o monarca a quem mostrou suas artes, dizendo que era necessário dá-las a conhecer a todos os egípcios. Mas o monarca quis saber a utilidade de cada uma das artes e, enquanto o inventor as explicava, o monarca elogiava ou censurava, consoante as artes lhe pareciam boas ou más. Foram muitas, diz a lenda, as considerações que sobra cada arte Tamuz fez a Thoth, quer condenando, quer elogiando, e seria prolixo enumerar todas aquelas considerações). Mas, quando chegou a vez da invenção da escrita, exclamou Thoth: " Eis, ó Rei, uma arte que tornará os egípcios mais sábios e os ajudará a fortalecer a memória, pois com a escrita descobri o remédio para a memória." "Ó Thoth, mestre incomparável, uma coisa é inventar a arte, outra julgar os benefícios ou prejuízos que dela advirão para os outros! Tu, neste momento, e como inventor da escrita, esperas dela, e com entusiasmo, todo o contrário do que ela pode vir a fazer! Ela tornará os homens mais esquecidos, pois que, sabendo escrever, deixarão de exercitar a memória, confiando apenas nas escrituras e só se lembrarão de um assunto por força de motivos exteriores, por meio de sinais e não dos assuntos em si mesmos. Por isto não inventaste um remédio para a memória, mas para a rememoração."

Mais adiante, Sócrates diz: "O maior inconveniente da escrita parece-me, caro Fedro, se bem julgo, com a pintura. As figuras pintadas têm atitudes de seres vivos, mas, se alguém as interrogar, manter-se-ão silenciosas, o mesmo acontecendo com os discursos: falam das coisas como se estas estivessem vivas, mas, se alguém os interroga, no intuito de obter um esclarecimento, limitam-se a repetir sempre a mesma coisa. E quando é menoscabado ou justamente censurado, tem sempre necessidade de assistência, pois não é capaz de se defender nem de se proteger a si mesmo."

Este rei Tamuz é um rei divino. E Thoth é, como diz Sócrates, um velho deus. Sua posição em relação a Tamuz é evidentemente de inferioridade no que toca ao poder de avaliação. Thoth inventa, mas é Tamuz quem decide se seu invento é bom ou mau. Em seu livro A Farmácia de Platão, Derrida comenta longamente este diálogo. O que quero destacar aqui é a relação pai e filho. O deus da escritura tem uma posição filial em relação ao deus-rei-pai. Este, com sua presença, com sua palavra viva, é quem decide. Como diz Derrida, Tamuz não precisa escrever: ele fala e todos escutam. Por sua vez a escritura é como um filho bastardo, o filho pródigo; é filho, pois é secundário em relação à fala, mas é pródigo porque sai pelo mundo, se afasta da presença do pai e isso determina que tenha dois inconvenientes no dizer de Sócrates: não pode se defender sem a assistência do pai e só pode se repetir. Repete sem saber o que diz.

Seria esta a chave do nosso mais recente mito? Seria essa a solução da enigmática historinha que Roudinesco repete sem saber? Repete porque ouviu dizer? Temos o pai e o filho; o pai numa estranha posição de cortejador, o filho infiel que o engana, talvez por não suportar a admiração do pai; o filho que não gosta mais de si uma vez que começa a falar, isto é, começa a enganar. Há dois momentos: o 1º: o filho não se vê merecedor da admiração do pai porque entrou na linguagem e começou a falar. Por isso quer morrer: engana o rei. É o momento da metáfora paterna: nem o filho é o falo nem o pai o detém; o desejo da mãe está preso a um significante que circula. No segundo momento, o filho se confessa e se assume um trapaceiro.

Derrida avisa Lacan através desta historinha que os filhos ( a escritura ) se fazem órfãos e vivem sem a assistência do pai ( o autor, o falante, a palavra )? Lacan, em seu comentário, não lê a relação pai e filho. Pensa só o sujeito Derrida em sua relação com o Outro: fingindo-se morto, induz o outro a um impasse. Lacan terá se posto na posição do filho diante do pai que se faz de inocente? Que se finge de morto, engana: "Por que você é bonito?" Estará Lacan implicando que o pai tem outros desejos que não admirar e favorecer o filho? Se estas hipóteses são verdadeiras ou falsas, não sabemos, como diz Sócrates.

O que impota reter é a seguinte questão: o que é um pai? É o antecedente temporal? É o que está na origem? Tudo que se cria tem um pai? E, como não há nada fora da linguagem: haverá um sentido-pai do qual todos os outros são metáforas; será que este sentido-pai não é ele mesmo uma metáfora? Vamos tentar fazer um percurso em Freud, Lacan e Derrida sobre a metáfora.

A metáfora consiste em uma substituição de significantes: uma palavra por outra. É, portanto, a essência da linguagem: a metaforicidade em geral responde pelo sentido. Não há sentido literal: o sentido é sempre uma Segunda etapa que se segue a uma primeira etapa de não-sentido. Freud não falou em metáfora. No entanto toda sua ação teórica é dirigida por uma intuição: a busca de um sentido, o verdadeiro, que se ocultaria nas tramas de um sintoma, todo texto, toda obra. Este sentido sob a barra de todo e qualquer significante é o desejo edipiano. O desejo edipiano é o núcleo semântico, isto é, é o significante de todas as ações humanas que são, portanto, formações substitutivas do complexo de Édipo. A solução do enigma é restabelecer as ligações "verdadeiras". Freud privilegia uma certa, particular substituição: todas as moedas são trocadas por uma só. A equação simbólica pênis = fezes = bebê = dinheiro = presente repousa sobre o pequeno, esta pequena coisa que pode ser separada do corpo em torno do qual o Édipo se estrutura. Em sua análise sobre os sonhos típicos, Freud pensa o conto "A Roupa Nova do Rei" como uma elaboração secundária que encobriria, substituiria o "primário", o que fica por debaixo - o sonho típico de estar despido que, por sua vez, vela o desejo exibicionista original infantil edipiano.

Mas há um outro Freud: o dos aparelhos, máquinas e esquemas. O Freud da metapsicologia. Para este, as marcas, as letras fundantes do inconsciente nunca foram percebidas como tal. São já secundárias. Na origem, no "primário" haveria perda, ausência, buraco. Objeto não perdido na origem, mas objeto originalmente perdido, representado aleatoriamente por um substituto, Vorstellung-repräsentanz que recobre em sua falta de sentido a falta de objeto original. Para este Freud, as Bahnungen são a determinação e elas se traçam entregues ao acaso, à resistência das barreiras, ao jogo de forças. A repetição está desde o início, mas não é nunca repetição do mesmo: é repetição diferencial. O inconsciente não é uma presença-em-si escondida por debaixo nem mesmo do virtual, potencial. Se tece de diferenças, de trilhamentos e envia, delega representantes e mandatários e o presente só é compreendido a posteriori. O significado presente é sempre constituído retardadamente, sempre já transcrição de um sentido nunca presente.

Em resumo, há um Freud para o qual há um sentido-pai, origem de todas as metáforas e um outro Freud para o qual não há origem e o pai é já um substituto.

Lacan parece alinhar-se ao segundo Freud, ao produzir a metáfora paterna. O pai é uma metáfora, só se é pai por metáfora é a frase de Lacan.

A metáfora lacaniana, que não é a metáfora da lingüística, sofreu alteração, amarra elementos que não constam da lingüística: sujeito, desejo e verdade de forma inextrincável, isto é: o sujeito (do inconsciente) tem sua verdade no desejo. Na metáfora paterna, a verdade é o que está oculto, recalcado debaixo da barra. A ultrapassagem da barra, etapa de produção de sentido, coincide com a súbita revelação da verdade. O significante que está debaixo da barra é sempre o desejo, a verdade como desejo.

Lacan não suspende o caráter de velamento, de por baixo, de "outra coisa" da verdade, mas interrompe de certa maneira a busca da verdade. A verdade é o desejo. E isto se formula na metáfora paterna. Para Lacan a metáfora paterna é a própria sustentação do desejo, da sua presença no discurso.

É uma metáfora especial. Não cabe na lingüística: é a resposta de porque há a metáfora em geral. Na metáfora paterna sob a barra temos o falo. O falo é o significante do desejo. É a significação, a única. Por ela ( significação ), por ele (falo), se trocam todos os significantes. O significado da metáfora é sempre o mesmo: o falo.

Portanto, se por um lado Lacan parece alinhar-se ao que chamamos 2º Freud, por outro lado, reafirma e põe no centro uma significação última, o falo. E de fato no seminário da Carta Roubada, a interpretação é possível; Lacan retorna a Poe sua mensagem des-cifrada e a verdade pode ser dita toda: a carta sempre volta a seu destino. Ela se desvia, circula e volta. Pode demorar, mas chega ao seu lugar onde encontra sua significação última: o falo.

Vejamos a crítica que Derrida vai fazer a Lacan, apoiando-se em Freud, no 2º Freud.

Toda significação é fálica. O que quer dizer isso? Em primeiro lugar, o falo é um significante e um significante não-verbal. É a falta de um significante. Portanto, Lacan não cai no semantismo de Freud. Esta significação última em Lacan não é conteúdo (os dois desejos edípicos). É um significante e um significante não-verbal.

Derrida reconhece que Lacan avança sobre a psicobiografia anterior ( por exemplo, Marie Bonaparte em seu trabalho sobre Poe ), na medida em que trabalha o texto levando em conta o significante em sua materialidade e formalidade. Portanto, a significação do significante fálico não é semântica: é estrutural. Apóia-se em sua materialidade. A materialidade do significante em Lacan não é empírica nem substancial, mas nem por isso é menos materialidade. Liga-se à indivisibilidade e à localização. Quanto à indivisibilidade do significante, não há questão. A questão é quanto à localização. É claro que para Lacan não se trata, esta localização, de estar ou não estar em um lugar. Para a lógica do significante, trata-se de estar e não estar: o siignificante como símbolo de uma ausência. ( É aqui que Derrida vai centrar sua crítica a Lacan. ) O falo, este significante não verbal da falta, portanto pura ausência, teria um seu lugar, uma localização que lhe seria própria. O significante circula, há um tempo de desvio, extravio, souffrance, mas ele volta: a carta chega, seu sentido próprio em seu lugar próprio. Este momento é o momento, a etapa de ultrapassagem da barra onde se produz o sentido. O sentido é sempre um: o falo como significante do desejo. Voltando à metáfora paterna, debaixo da barra, lugar da verdade, temos o falo, significante do desejo causado pela castração. Por isso, a carta volta à mulher como lugar revelado da ausência do pênis, como verdade do falo.

Derrida centra aí sua crítica. Vai atacar Lacan com as armas de quem? Do próprio Freud ( do que nós chamamos aqui do 2º Freud ). Derrida vai supor que esta circulação - o circular comporta o retorno ao ponto de partida - do significante é apenas uma contração de um movimento maior, mais geral que se chama disseminação. Esta economia restringida ou estrictura do anel é de fato fálica: a carta retorna à mulher, lugar da castração. Esta economia restringida está a serviço do princípio do prazer. Mas a economia geral, a disseminação, é um princípio de gasto total, sem retorno, sem restituição, perda irreparável da presença. Derrida une a segunda tópica ( a pulsão de morte ) ao Projeto: a pulsão de morte é solidária à noção de repetição no sentido de que a própria Bahnung, o trilhamento, é uma estrutura de retardamento; o próprio traço é já diferença, já repetição. O próprio traço é já a posteriori. Se não há origem presente, se o traço nunca foi percebido, já sendo portanto diferimento, não há circulação possível. O princípio do prazer se distrai, brinca de roda com seus falos, seus significantes, seus fetiches e com sua produção de sentido e se ilude.

Certamente Lacan concordaria com a crítica de Derrida, pois ao longo de sua produção o encantamento com o simbólico vai cedendo, o limite da interpretação vai se impondo, a palavra plena cede à lógica do não-todo. O trabalho que Lacan faz com o texto de Joyce é deste segundo momento: Joyce faz a psicanálise avançar e não apenas tem seu enigma decifrado monotonamente: o falo ...

Retomando nossas colocações iniciais, Sócrates diz que o texto tem a desvantagem de não responder, que ao ser perguntado apenas repete a mesma coisa. Ora, esta pode ser a definição da escritura psíquica: inscrições que insistem, que repetem fora de todo saber, mas que causam leitura, causam o esforço de ligação, Bindung, de simbolização que é a leitura. Se estas inscrições são efeitos de palavra, não importa; se foi, como diz Freud, "algo visto ou ouvido", não importa. O que importa é que não foi compreendido e esta falta de sentido radical, este acaso radical determina que a reunião do significante a um significado, ou seja, o retorno da carta ao seu lugar só se faça de maneira provisória, instável e ficcional. A repetição, da ordem da pulsão de morte, insiste fora do sentido e o texto psíquico é o lugar onde a verdade da letra se afirma enquanto pura letra e fracasso do saber.

Espero ter demonstrado que não há antagonismo entre Derrida, um certo Freud e um certo Lacan.
Claudia Maria Rego (psi) E-mail: cmrego@terra.com.br