Psico-fármacos e psicanálise

Sara Helena Hassan

Introdução

Este trabalho tenta uma abordagem da relação psico-fármacos/psicanálise.

A questão desta relação se coloca hoje para alguns psicanalistas que reconhecem aí uma interface cuja localização e contornos nem sempre aparecem bem definidos, no meu entender, da parte da psicanálise.

A idéia aqui é de esboçar algum contorno, especialmente a partir da perspectiva da relação entre a psicanálise e a ciência (1)

Tenho constatado, nestes últimos anos, demandas de análise em pessoas que fazem tratamentos com psico-fármacos. Outros, não necessariamente psicóticos, se colocam, em algum momento da cura analítica a questão do uso dos psicofármacos, o que implica necessariamente uma escuta de articulações e questões dentro do marco do dispositivo analítico.

A inclusão de uma intervenção médica que introduça psicofármacos concomitante à cura psicanalítica, envolve como mínimo, a entrada em circulação do significante "psico-fármacos", mais não esgota, na minha opinião, as questões que se colocam no nível do leque das respostas do sujeito, e no âmbito dos possíveis efeitos dos psico-fármacos em relação à pulsão e ao gozo, entre outras.

A relação psico-fármacos / psicanálise é mais uma prova dos desencontros do real da psicanálise com o real da ciência? .

Somos hoje testemunhas da produção maciça de psicofármacos pela indústria farmacêutica, bem como da difusão, disponibilidade destes produtos no comércio e sua utilização geralmente abusiva da parte da medicina clínica e da psiquiatria. Mas nem por isso a psicanálise é livrada da tentativa de delimitar um campo próprio de problematização com e desde os recursos da sua teoria e conceitos, único modo, por outra parte, desde onde algo poderia ser articulado.

Neste momento de moedas e mercados comuns, os critérios de avaliação, utilização e destino destes produtos são definidos habitualmente pela moeda comum de uma eficácia pragmática e do mercado, e não desde critérios mais especificamente psicanalíticos.

Assim, menciona Joel Birman (2)em "Malestar na atualidade" que, inclusive pelo lado dos psiquiatras é quase nula a existência de teorização sobre a utilização clínica dos psicofármacos.

Também, e por outras razões, não ocorre algo demasiado diferente entre os psicanalistas, onde a questão costuma estar relegada por se considerar heterogênea ou não pertinente ao seu objeto e ao seu campo.

Resulta assim um dilema, uma disjunção radical, em que os psico-fármacos são incompatíveis com a psicanálise. De fato, são duas vias diferentes de abordar o sofrimento humano.

O que é um psico-fármaco?

Entendo os psico-fármacos como produtos da tecno-ciência, modo privilegiado de manifestação da ciência nesta época. Estou propondo pensar o estatuto dos psicofármacos a partir do que J. Lacan (3) define como "latusa"/ "letosa", algo assim como um "gadget", químico neste caso, com a ressalva de que nas letosas se acentua a origem científico tecnológica destes seres e nos gadgets sua condição descartável num circuito acelerado de consumo. (4) (5). Quero apenas salientar agora algumas questões que considero mais relevantes. Lacan sustenta que a partir dos desenvolvimentos e precisões da ciência moderna criam-se objetos novos, não ingressados até então no campo das nossas percepções, como as vozes e os olhares que habitam o que Lacan batizou como a "aletosfera" - neologismo derivado de "aléthéia"= verdade (6) .Verdade formalizada a partir de um jogo de letras, para a ciencia. A aletosfera seria uma "esfera" científica que nos rodeia, uma espécie de atmosfera. Lacan fala dos "sulcos da aletosfera", pelo que nos encontraríamos frente à idéia de uma esfera curiosamente sulcada. No entanto, podemos pensar, os sulcos (ou fissuras) não determinam mudanças, topologicamente falando: a esfera sulcada continua não esburacada.

Da mesma forma que vozes e olhares eletrônicos povoam a atmosfera, a química produz algo que, para os psico-fármacos, poderia ser entendido como uma aletosfera química em interferência com o organismo e com o corpo, corpo erógeno onde vozes e olhares são apaziguados, no caso da psicose, por exemplo. Da mesma maneira que cinqüenta anos atrás, com a descoberta dos psicotrópicos, se introduziu um elemento novo na química do sistema nervoso, fala-se agora da implantação de chips eletrônicos no cérebro. Assim, clones, inseminação artificial, marcapassos, próteses, etc são outros tantos objetos com os que a tecno-ciência nos presenteia para problematizar o nosso campo com aletosferas não fissuradas.

Fato antecipado por Lacan na "Terceira", conferência em Roma ( 7 )onde sustenta que os efeitos da ciência geram um real a beira de se descontrolar com o qual a psicanálise vai ter que se haver. E não só, além de ter que se virar com eles, no seu futuro -ou seja agora - dependeria deste real, e não o seu oposto. Quer dizer, este real ia desafiar, nos prognósticos de Lacan, a psicanálise, por um desborde dos efeitos da ciência .

Trataria-se então de "fissurar" , sem esquecer o sentido na gíria brasileira, de ânsia, sofreguidão, as aletosferas, resgatando algo da verdade ( aletéia) forcluída do sujeito da ciência presente/ ausente, de localização paradoxal nestas esferas.

Para a psico-farmacologia, a interferência no psiquismo está localizada como mecanismos de ação numa cadeia causal química, e como efeito dessa química no organismo e na conduta. Ela ( a psico-farmacologia) não leva em conta, por definição, o que anima o cientista, pesquisador ou psiquiatra biológico nos seus procedimentos e descobertas de laboratório e na clínica. Quer dizer, o seu desejo.

¿Por outro lado, qual será o psiquismo modificado pelos psico-fármacos? No caso do ser humano falante, isto está longe de ser uma questão fechada, diferente dos efeitos nos animais de laboratório.

Também a psiquiatria chamada de "biológica" não exige, até onde sei, uma definição respeito a como, e a partir de que discursos são utilizados os psico-fármacos, desde o momento em que as cadeias causais estão restritas ao âmbito biológico. É indiferente ao discurso da ciência , e o seu aliado, o discurso do mestre na sua variante discurso do capitalista (8), a indagação sobre quem são os destinatários dos psico-fármacos , desde que estes entram no circuito dos objetos de consumo, onde o sujeito fica fora de questão.

Entendo a colocação de Birman, antes mencionada, apontando uma interrogação da interseção da psicanálise com a psiquiatria, perguntando pela posição do psiquiatra, pelos efeitos de discurso implicados na prescrição de medicação.

Desde a psicanálise podemos entender que o discurso prevalente a partir do qual o vinculo psiquiátrico opera é o discurso do amo:"Tome Prozac".

Desde o ângulo deste discurso, o gadget manteria ao sujeito aplastado, indefectivelmente destinado então, a rivalizar com a psicoanálise. Ou seja, se colocaria a disjunção antes mencionada: ou psico-fármacos, ou psicanálise, o que, no meu entender se justifica caso não se problematizar esta disjunção. Pessoalmente, não acredito na eficácia dos psicofármacos em terapêuticas que não tomem em conta o sujeito, nem ainda nos casos mais sérios de psicoses, sem entrar aqui na questão de se tem ou não sujeito na psicose. A implementação biologizante dos psico-fármacos em certos âmbitos dominantes da psiquiatria culminou na elaboração , atualmente questionada pelos próprios psiquiatras, do DSM IV, no qual os psico-fármacos são disparadores de uma nova classificação, cunhando entidades clínicas que surgem por vezes sem outra fundamentação que a resposta à ação daqueles.

O que de fato estaria ocorrendo é que o avanço do consumo de psicofármacos tem colocado em relevo os conseqüentes efeitos paradoxais destes objetos -sintomas. Se é que aceitamos o sinalizado por Lacan nos anos 70, a questão dos psico-fármacos em suas articulações se colocará ao sujeito, na contingência de haver alguém para escutá-lo, um analista em ato.

Este é um nível paradoxal em que, acredito, possa ser tomada a questão dos psicofármacos pela psicanálise.

A questão da causalidade psíquica e a causa na ciência - Notas de leitura

A seguir vou mencionar algumas referências que estou trabalhando neste momento na relação dos psico-fármacos com a subjetividade, com os efeitos de sujeito, e com a questão da causalidade psíquica.

Em psicanálise a questão da "causalidade psíquica", foi reintroduzida por Lacan em texto de 1946 ( 9),"Acerca da causalidade psíquica", no qual critica o organo-dinamismo de Henry Ey, e à concepção da loucura, colocando una causalidade essencial da mesma, e desenvolvendo os efeitos psíquicos do modo imaginário, a partir de suas concepções, recentes naquela época, sobre o estádio do espelho.

Digo "reintroduzir" porque Freud já foi trabalhado pela questão da causa ao longo da sua obra, ou melhor, se deu de cara com ela a partir da etiologia sexual das neuroses e das psicoses quando afirma que representação é algo diferente, separável dos afetos, das manifestações que habitam o corpo da histérica, da sua angústia.

Assim, na "A etiologia da histeria" (1896) (10): Freud procura uma cadeia causal que remete a cena traumática: ele encontra dois eventos associados, um com "forza traumática" e outro com "contenúdo determinante". A "cadeia de associações"... enlaza ambas lembranças: tem o elemento "buscado" e tem "o achado ". Entre parênteses, ou em nota de rodapé na versão em português diz: " Propositalmente, deixei fora dessa discussão tanto a questão referente à categoria à qual pertence a associação entre as duas lembranças ( se é uma associação por simultaneidade, ou por conexão causal , ou por similaridade de conteúdo, quanto a questão de caráter psicológico que se deve atribuir as várias lembranças ( conscientes ou inconscientes).

Não interessa aqui que Freud abandonará mais tarde a teoria do sucesso traumático, mas salientar que o elemento causal faz diferença na série, e que é, sobre tudo, marcado pela sua opacidade.

No trabalho sobre "As afasias"(11) Freud propõe um "aparelho de linguagem" para dar conta da alteração afásica, de ordem neurológica, desdobrando assim a causa ligada a uma alteração biológica cerebral, se abrindo então para o hiato que separa biológico e psíquico. A categoria da causa é arremessada longe dos suportes neuro-anatômicos, bem como dos mecanismos neuro-biológicos e neuro-fisiológicos.

Escreve Freud: ( 12 ) "É provável que a relação entre a cadeia de sucessos fisiológicos que acontecem no sistema nervoso e os processos mentais não seja de causa e efeito. "Aqueles" (os procesos fisiológicos) "não cessam quando estes" (os procesos mentales) "começam; tendem a continuar". Quer dizer, teríamos os processos fisiológicos contínuos , " mais a partir de certo momento, um fenômeno mental corresponde a cada parte da cadeia, ou a varias partes". Isto é, um fenômeno mental em descontinuidade com os sucessos fisiológicos.

"O processo psicológico é, portanto, paralelo ao fisiológico" continua Freud, um "concomitante dependente" - (as aspas são de Freud). Esta correspondência seria então o conhecido "paralelo psico-físico" freudiano.

É interessante notar que Freud refere-se à seqüência associativa, com o termo "cadeia", que não resulta indiferente, de termos em conta outros desenvolvimentos psicanalíticos posteriores.

Nas "Lecciones introductorias"(1916-17)XX, (13), escreve Freud : "Sem dúvida terão ouvido falar, senhores, que, na psicanálise, o conceito daquilo que é sexual foi indevidamente ampliado, a fim de dar suporte às teses da causação sexual das neuroses e do significado sexual dos sintomas. Agora os senhores estão em condições de julgar por si mesmos se essa ampliação é injustificada. Ampliamos o conceito de sexualidade apenas o bastante para podermos compreender a vida sexual dos pervertidos e das crianças. Isto é, restituímos-lhe sua dimensão verdadeira. Fora da psicanálise, o que se denomina sexualidade refere-se apenas a uma vida sexual restrita, que serve ao propósito da reprodução é é descrita como normal."

Esta sexualidade, "exagerada em extensão" e "ampliada" entra como uma x ( incógnita) , "posta ao serviço" de algo diferente da procriação, conectada a efeitos diferentes da procreação, ou seja na " vida sexual dos perversos e das crianças".

Para continuar identificando outras explícitações do que Freud está entendendo como causalidade temos ,no "El delírio e os sonhos na "Gradiva" de W. Jensen"( 1906-7) (13 ). Diz Freud que a sensibilidade do poeta é capaz de captar uma categoria imprevisivel de relações: "o autor procedeu muito acertadamente ao -"não penetrar nesta profunda causalidade interna"- (diz em espanhol, falta em português )-, estendendose " sobre essa valiosa similaridade que sua delicada sensibilidade percebera entre um determinado processo mental do indivíduo e um evento histórico isolado da história da humanidade."

O "jovem arqueólogo, em sua fantasia"... "desloca para Pompéia o modelo do relevo que lhe recordava o objeto de seu amor de infância". "Na verdade não existe melhor analogia para a repressão - que preserva e torna algo inacessível na mente - do que um sepultamento como o que victimou Pompéia, e do qual a cidade só pôde ressurgir pelo trabalho das pás. "

A figura da amada, como causa remota, parece inspirar a série onde baixo relevo, sepultamento, Pompeya e cinzas não respondem ao que Freud chama "causalidade interna", propondo outro tipo de relações inéditas, aparentemente inconexas, a cargo do talento poético.

É a propósito das diferenças entre a formação dos sonhos e dos chistes, que Freud situa, "en passant" (no "El chiste y su relación con lo inconciente",( 1905) (13) a causalidade dentro do que ele chama "associações internas": "Especialmente singular e muito característica da elaboração do sonho é a substituição das associações internas (analogía, causalidade, etc.) pelas chamadas externas (simultaneidade, contigüidade no espaço, similcadencia)."

Quer dizer, vem se colocando para Freud a questão do que seria, "causa" para psicanálise.

Em relação à causa na ciência, salienta J.A. Miller (14) que "as noções de causa e lei são facilmente confundidas". Sempre "dentro de um marco científico consideramos que há uma relação fixa entre causa e efeito". "Eventualmente a investigação científica se propõe a formular leis sobre a relação entre uma causa dada e um efeito dado".

Neste contexto, o central na idéia de lei científica, sempre segundo Miller, é: 1) uma regularidade, que permite nos anteciparmos à manifestação do efeito, desde o momento em que uma causa identificada está presente. 2) uma continuidade. Quando a causa se inscreve ( o negrito é meu) em leis, nos encontramos frente a "uma cadeia de necessidade, determinismo" onde é possível dizer que a mesma causa produz o mesmo efeito. Que dizer, causa e efeito são homogêneos, do mesmo ordem. A continuidade faz com que uma causa seja, ao mesmo tempo, efeito de outra causa. Ou seja, há uma cadeia de necessidade, de determinismo. No entanto é um determinismo onde é muito difícil situar com precisão a causa. Quer dizer, uma causa com outro conteúdo que faz com que muitas vezes não se logre saber , na cadeia de necessidade, onde ela começa. Aqueles que introduziram o discurso científico em nossa cultura, no século XVII, tendiam a pôr uma teoria de Deus como elo entre a ciência e a religião. "Desde o começo, o discurso científico estava fundamentado precisamente nessa continuidade de causas e efeitos".

A causa em psicanálise "é uma causa com outro conteúdo". É uma causa não inscrita (o negrito é meu) numa lei de regularidade e continuidade, mas uma causa do tipo da que preocupava a David Hume, no século XVIII quando mostrou que o término "causa" , como separada, era primária, era não conceitual ( 16 ).

Foi justamente este o ponto que disparou o esforço filosófico de Kant contra Hume. Numa tal continuidade, sustenta o autor mencionado, não é possível nunca situar a causa como separada.

Em psicanálise, a causa, o conceito de causalidade, se coloca como diferente de legalidade, e sempre implica na noção de um elo perdido, quer dizer, de uma descontinuidade. O sujeito barrado, nos desenvolvimentos de Lacan, "está comprometido na estrutura mesma da causalidade, como sujeito de uma falta".

A causa, em psicanálise, e desde Lacan, está, para a cura analítica, do lado do analista, no lugar de semblante de um objeto discursivo, objeto "a", causa de desejo.

A cadeia de reações químicas posta em marcha por um psicofármaco é algo de outra ordem.

A capacidade de surpresa

Enquanto a lei científica procuraria uma regularidade, na psicanálise o que se encontra é um inesperado, uma surpresa. Isto é, a quebra de uma regularidade.

Ainda que também em psicanálise a linguagem e suas leis tem a ver com o sujeito do significante, temos por outro lado que o inconsciente não permite antecipação.

Os efeitos de sujeito são imprevisíveis, a posteriori, e isto tanto para o analizando quanto para o analista: a capacidade de surpresa, de surpreender e se deixar surpreender, definem em psicanálise uma intervenção lograda, uma abertura para a resposta do Outro, um se dar de cara com o real, tyché, segundo Lacan.

Neste sentido, podemos pensar o psico-fármaco como tendo um efeito oposto: o efeito buscado tem que coincidir com o efeito achado. Caso contrário, considera-se como reação adversa, "indesejável", do medicamento.Indesejável para quem? Não acredito que necessariamente o seja para o sujeito. Podemos pensar, neste caso, e desde a psicanálise, nas possibilidades de resposta do sujeito frente à medicação, nas exigências da pulsão que escapam ao que teria de antecipável uma pura reação biológica, não articulada à estrutura.



As palavras de Freud no texto sobre as afasias, citado acima, sobre a relação entre as cadeias fisiológicas e os fenômenos mentais nos inspiram uma conexão com outro tipo diferente de cadeia, também em descontinuidade, que são os elos ou anéis da cadeia ou nó borromeano e da topologia lacaniana.

A conjuntura por onde a psicanálise pode se mostrar solidária com a ciência, é a topologia, "domínio da ciência pela qual esta dá conta do seu fracasso em suturar o sujeito", segundo Pierre Skriabine (15), em tamponá-lo. Esta topologia, forma parte do pensamento pelo qual a psicanálise procede da ciência, é correlativa daquela, onde o sujeito da cênica e o sujeito da psicanálise são o mesmo sujeito( 16), mas que vai ser forcluído, suturado pela ciência,e "onde justamente ela fracassa". O sujeito, em "Ciência e verdade" (17 )permanece como correlato da ciência, mas antinômico, já que esta última se mostra definida por não ter saída no esforço de sutura do sujeito.

É na topologia do nó borromeano onde Lacan vai articular a estrutura, em térmos de lugares e relações, ou seja em términos de posições e propriedades que resultam de posições, e por isso mesmo, uma topologia, tal como é introduzida por Euler no século XVIII, como rama das matemáticas.

Este termo, estrutura, traz o real em jôgo na experiência analítica, que diz respeito ao sujeito falante, que habita a linguagem, submetido à lógica do significante , isto é , ao registro do simbólico.

A estrutura é o que da conta da toma do corpo vivente no simbólico: ela é o que suporta o modo no qual, para o ser falante , os três registros fazem nó, do real, do simbólico e do imaginário, permitindo então se orientar na clínica psicanalítica.

É a partir destas considerações que os efeitos de um fármaco, e mais ainda os de um "psico" fármaco em que o humano falante, atravessado pelo significante, nunca vão serem os mesmos que nos animais de laboratório da ciência experimental. É neste sentido que me parece possível situar na clínica psicanalítica os efeitos dos psico-fármacos e sua eficácia, em termos do simbólico, do imaginário e do real. Ou seja, que a psicanálise pode conter a idéia dos psicofármacos. No entanto para isso terá que ser situado o possível lugar e função dos psico-fármacos na estrutura, em cada caso particular.

Resumo:
Tenta-se problematizar a relação psicofármacos/psicanálise, dentro do marco das teorias e dos conceitos da psicanálise. Segundo Lacan, os psicofármacos podem ser considerados como latusas - químicas em este caso - ,produtos da tecno-ciência na"aletosfera" do organismo e do corpo, produzindo efeitos paradoxais, no sentido de fechar a subjetividade, ou abri-la na contingência de um psicanalista. Ambos termos entre aspas são neologismos de Lacan. Dentro da perspectiva da relação entre a ciência e a psicanálise, comentam-se alguns fragmentos de Freud sobre a causalidade. Algumas referências sobre a causa em psicanálise e na ciência, causa e lei, regularidade e descontinuidade permeiem introduzir a estrutura, a topologia como ciência que inclui a estrutura e os psicofármacos tomando aí um lugar e função.

São Paulo 30-09-01
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(1) Sobre a relação da psicanálise com a ciência ver Seminário por Internet de Michel Sauval. O grupo de "Psico-fármacos e psicanálise" é um espaço de interlocução dentro do marco dos Estados Gerais da Psicanálise.
(2) Birman, Joel, Mal-estar na atualidade
(3) Lacan, Jacques - Seminario XVII
(4) Hassan, Sara E. Los gadgets- Acheronta 8
(5) Hassan, Sara E. De letosas y monstruos de bolsillo -Acheronta 9
(6) Lacan, Jacques - Seminario XVII
(7) Lacan, Jacques - La Tercera
(8) Lacan, Jacques - Discurso del capitalista
(9) Lacan, Jacques.- Escritos. Acerca de la causalidad psíquica
(10) Freud, Sigmund, La etiología de la histeria (1896)" 'Tal vez tudo aquilo de que precisemos seja uma nova idéia a fim de ajudar-nos em nosso dilema e de levar-nos a resultados valiosos. A idéia é a seguinte. Como sabemos através de Breuer, os sintomas podem ser resolvidos quando,partindodeles, encontramos o caminho de volta a lembrança de uma experiência traumática.Se a lembrança que descobrimos não responde a nossa expectativa, pode ser que devamos perseguir o mesmo trajeto um pouco além;talvez por trás da primeira cena traumática possa ocultarse alembrança de uma segunda que satisfaça melhor a nosso requisitos e cuja reprodução tenha maior efeito terapêutico; de modo que a cena descoberta em primeiro lugar tem apenas a importância de ser um elo de conexão na cadeia de associações . E talvez essa situação possa repetir-se; cenas inoperantes podem ser interpoladas mais de uma vez, como transições necessárias no processo de reprodução, até que encontremos finalmente nosso caminho do sintoma histérico à cena que é de fato traumáticamente operativa e que é satisfactória em ambos os aspectos, tanto terapêutica como analíticamente".
(11) Freud, Sigmund, Las afasias ( 1891)
(12) Freud, Sigmund, Conferencias introductorias, lección XX ( 1916-17 ).
(13) Freud, Sigmund, El delirio y los sueños en La Gradiva, C parte teórica.
(14) Freud, Sigmund, El chiste y su relación con lo inconsciente.
(15) Miller, J.A.Miller, Science and truth -Newsletter of the Freudian Field.Vol.3.1989
(16) Skriabine, Pierre, Clínica del nudo borromeano -Topología y clínica.
(17) Milner, J.Claude, La obra clara.
(18) Lacan, Jacques, Escritos, Ciencia y verdad.