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Editorial
Manoel Tosta Berlinck
Os Estados Gerais da Psicanálise ocorrendo, de 8 a 12 de julho, em Paris, França, contam com a participação de cerca de 100 psicanalistas brasileiros dispostos a discutirem e a verem discutidos os trabalhos que encaminharam para este evento.
Nem todos os trabalhos que constam da página na Internet dos Estados Gerais da Psicanálise no Brasil, e que foram incluídos no encontro de Paris, são psicanalíticos, ou seja, decorrem de vivências clínicas e procuram dar palavras ajustadas para aquilo que se passa nessas vivências. Mas todos revelam que há um trabalho de pensamento sendo realizado no Brasil, a partir da psicanálise.
Além disso, os autores destes trabalhos estão dispostos a encontrarem interlocutores não brasileiros que leiam e discutam seus textos.
Há, pois, no Brasil, hoje, um crescente número de autores que escrevem textos psicanalíticos e textos a partir da psicanálise pensando questões que suas existências suscitam. Esses autores estão dispostos a falarem e escreverem e discutirem seus trabalhos sem outros constrangimentos que não os do debate público das idéias.
Escrevendo o que fazem e como fazem, escrevendo o que pensam sobre o que fazem e como fazem, revelam suas dificuldades e limitações e buscam na interlocução crítica do texto (e não do autor) aprimorar seu pensamento e avançar na compreensão daquilo que se revela enigmático, problemático.
A escrita é, sem sombra de dúvida, uma das atividades fundamentais da psicanálise. Freud escreveu tanto, numa época em que nem a Remington ainda existia, não porque fosse um escritor, mas porque era psicanalista. A escrita freudiana revela diversas exigências próprias de um texto psicanalítico, expondo sempre os problemas que enfrenta em sua atividade psicoterapêutica e produzindo no leitor um efeito de pensamento quase sempre surpreendente.
Algo semelhante ocorre em numerosos textos encontrados na página dos Estados Gerais (www.geocities.com/HotSprings/Villa/3170/EG.htm) revelando, desta forma, um movimento propriamente psicanalítico ocorrendo no Brasil. Este movimento, sempre em crise, já que vivo, é testemunha de uma crescente densidade de pensamento clínico, esforço permanente de se aprimorar a escuta, a interpretação das resistências e a transformação do que é da ordem do pathos em experiência.
É muito interessante observar que esse movimento do vivo da psicanálise no Brasil não está obedecendo ideais melancólicos que ficam apequenando a desqualificando a atividade erótica de representação do vivo na clínica. Os autores brasileiros não respeitam nem a pureza e nem a ordenalidade considerada ideal por certos críticos que gostariam de ver a psicanálise obedecendo ideais inalcançáveis. Estes constituem uma verdadeira patrulha ideológica e, sentados em seus próprios rabos, criticam os rabos dos outros.
Os psicanalistas que praticam no Brasil sabem que não são "puros", mas miscigenados; sabem ter de enfrentar o fantasma do exotismo atribuído pelos "europeus" no imaginário brasileiro; sabem que devem superar um resistente "complexo de mucambinho" manifestando-se na precipitação, na desordem, no inacabamento, na falta de precisão e clareza, no descuidado, enfim, com a atividade da escrita. Além disso, descobrem, quando começam a escrever, que as palavras são resistentes, enganadoras, imprecisas, polissêmicas demais e não representam, com justeza, aquilo que se pretende dizer sobre a atividade clínica. Descobrem, assim, que tal atividade possui algo da ordem do indizível, do indescritível que, no entanto, precisa ser dito e escrito tratando-se de um laborioso e frustrante trabalho de aproximação do vivido na clínica. Descobrem, finalmente, o fantasma de que o português é língua nem tão inculta e bela, ignorada por muitos dos interlocutores com quem se deseja conversar, dentro e fora do Brasil.
Mas o vivo predomina e a psicanálise realizada no Brasil vai, aos poucos, mancando, tropeçando, errando, enganando, expressando pensamentos cada vez mais maduros e consistentes com a atividade clínica. Vai, também, revelando ser útil para se pensar o mal-estar na cultura e na sociedade.
Há, pois, entre (nem todos) autores de textos psicanalíticos, um constante trabalho de busca por palavras que representem condignamente as perplexidades provocadas pela atividade clínica e as dificuldades psicoterapêuticas encontradas. Mas, também, palavras que representem, justamente, as descobertas ocorridas no âmbito da psicoterapia.
É esse movimento na clínica expressando-se na escrita - sempre de forma provisória, inacabada, claudicante, insegura, mas, também, revelando um intenso trabalho de busca por palavras representativas - que atesta a existência de uma psicanálise viva sendo feita no Brasil.
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