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Encontro dos Estados Gerais do Psicanálise - Breve comentário
Maria Cristina Rios Magalhães
Realizou-se em Paris, de 8 a 11 de julho deste ano, o encontro mundial dos Estados Gerais da Psicanálise. Uma proposta interessante e difícil. Um desafio! Uma audácia! Uma proposta única na história da psicanálise. Pela primeira vez, os psicanalistas se mobilizaram mundialmente para, independentemente de sua filiação ou do motivo pelo qual ela possa ter sido recusada, discutir as principais questões relativas à psicanálise na sua entrada no século XXI.
Renunciando às hierarquias, às garantias e legitimidades pré-valentes e com a condição indispensável de que os Estados Gerais da Psicanálise não pertencessem a nenhuma instituição, grupo ou indivíduo, todos os psicanalistas foram convocados para refletir e agir em nome próprio, sendo assim responsáveis pelo destino da sua organização.
O anúncio dessa convocação por René Major, em Paris, no começo do ano de 1997, desencadeou um movimento que culminou na realização desse grande evento em Paris. Quatro dias resultado de anos de preparação. Muito trabalho, muitos problemas e grande êxito!
Um leque amplo de temas acolheu 259 textos apresentados on line para serem lidos e discutidos com antecedência. A Internet conectou mais de 80 países por meio do endereço http://members.aol.com/call97 e de seus inúmeros caminhos.
Instalados no magnífico anfiteatro da Sorbonne, 1000 participantes de 34 países debateram a psicanálise. A sua Clínica, a sua Transmissão, as suas Instituições e as suas relações com o Social, com o Político, com a Literatura, a Arte, a Filosofia, o Direito, as Neurociências, a Biologia e a Genética foram os temas abordados. O encontro reuniu uma produção ampla de conhecimento, além de propor um espaço de fala a quem tivesse o que dizer.
Participantes das Américas e da Europa puderam trocar idéias entre si e, numa rara oportunidade, escutar seus pares de "países não psicanalíticos" (termo de Fethi Benslama) como a Tunísia, a Turquia, a Federação Russa, a Bulgária, a Rumênia, a Eslovênia, a Letônia, Hong Kong, Singapura, Coréia do Sul, Taiwan, Malásia, Tailândia, Emirados Árabes Unidos e outros.
A América do Sul estava fortemente presente. Dos 259 textos apresentados 50% eram de autores latino-americanos, com 30% de trabalhos oriundos do Brasil e 12% da Argentina. Essa presença não foi marcante só pela quantidade, mas também por um alto nível na qualidade dos artigos e intervenções propostas.
Quatro línguas traduzidas simultaneamente: inglês, francês, espanhol e português veicularam uma grande pluralidade de idiomas psicanalíticos. Em vários momentos uma transferência tradutora se produzia e o inconsciente marcava a sua presença. Os sonhos, os atos falhos e as interpretações podiam intervir junto aos posicionamentos teóricos corroborando o encaminhamento das discussões. Essa transferência proporcionou diálogos interessantíssimos entre os vários idiomas da psicanálise. As qualidades e as vantagens da troca no interior das possibilidades polifônicas e poliglotas da psicanálise poligeográfica se fizeram sentir. Em outros momentos, um aplastramento explosivo se revelava, ou, simplesmente, a Babel tomava conta.
A psicanálise foi situada, enfaticamente, no campo da liberdade. Vários trabalhos e manifestações discorreram sobre a sua decadência e a sua falência, quando inserida nos sistemas políticos e institucionais autoritários ou totalitários. Esse era um ponto forte de convergência entre todos. Essa unanimidade deu aos Estados Gerais o timbre de ato político, sem que isso prejudicasse os seus objetivos em relação ao conhecimento. Desde a sua convocação, até o encontro em Paris, os Estados Gerais reuniram psicanalistas e participantes de outros campos do saber numa tomada de posição a favor da liberdade e do conhecimento.
As bases para a preparação desse encontro geraram uma organização peculiar. Se compararmos a sua estrutura de funcionamento com a dos congressos que costumamos freqüentar, veremos que o tempo destinado à circulação não prevista da palavra foi privilegiado. Entretanto, esses participantes tinham mais a dizer. Seria ingenuidade pensar que numa reunião de 1000 pessoas, durante 4 dias, fosse possível que todos que quisessem tomar a palavra pudessem efetivamente fazê-lo. Entretanto, talvez possamos propor, para uma próxima vez, uma restrição ainda mais radical no tempo das falas programadas pelos preparadores. Do meu ponto de vista, as únicas falas planejadas pelos organizadores que deveriam ter um tempo dilatado, seriam as dos leitores dos trabalhos inscritos. Eles tinham uma tarefa muito exigente e de muita responsabilidade. Apenas alguns foram bem- sucedidos. É possível que a maior parte deles não tenha compreendido o lugar que ocupavam. Muitos empregaram seu tempo discorrendo sobre posições próprias que obscureciam os artigos em debate. Afinal, eles eram os encarregados de introduzir os textos inscritos nas sessões da reunião.
Dentro do que já estava proposto, os Estados Gerais foram dissolvidos no término da última sessão do encontro.
De volta aos seus países, vários participantes continuam depurando o espírito dos Estados Gerais, reunindo-se para refletir sobre o evento, para discutir textos ou para decidir se haverá e onde será a próxima reunião mundial. As páginas na Web prosseguem. O movimento continua. A proposta é maior que o evento.
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