Comentários sobre o Encontro

Maria Lucia Pilla

Participei de 6 mesas( Subjetividade e Poder na Transmissão // O que eu tenho a ver com isto? // A prática clínica e seus impasses // O Humor e o Poder na Transferência // Medicina e Psicanálise // O Corpo e a Simbolização), sendo que nas duas últimas como debatedora e como expositora - portanto, meus comentários terão que se restringir a estas mesas. Relato a seguir os pontos que mais me tocaram neste Encontro:

  • O ótimo nível dos trabalhos apresentados.
  • O bom desempenho dos debatedores, que se limitaram a realmente debater os trabalhos e provocar discussões, não fazendo "um outro trabalho" (como aconteceu em Paris).
  • O bom desempenho dos coordenadores, que conseguiram fazer com que os limites de tempo fossem respeitados, o que propiciou que os debates realmente acontecessem.
  • A boa organização do Encontro como um todo.
  • E, sobretudo, o fato de, neste Encontro, os psicanalistas não estarem reunidos para repetirem o já sabido e estabelecido (como muitas vezes acontece), mas de haver espaço, tanto nos trabalhos quanto nos debates, para o novo, o diferente, para questionamentos e denúncias - e de haver uma atitude de interesse e respeito em relação a estas "diferenças". Pelo menos foi assim nas mesas em que participei. Cito a seguir os temas que mais me chamaram a atenção:


    • 1. A repetida colocação, em trabalhos e nos debates, de que a clínica deve questionar a teoria e recriá-la - e a denúncia do perigo que representa, para a psicanálise, uma clínica "engessada" pela teoria. (Cito 2 exemplos: Maria Isabel Szpacenkopf - "Resistência e dominação na relação psicanalítica" denuncia a freqüente relação de submissão à teoria, onde ocorre uma identificação com os códigos e saberes teóricos - e usando uma abordagem Winnicotiana, vê por trás desta atitude um medo da "não sobrevivência" da teoria e do analista, que o impossibilita de "usar" a teoria criativamente, ou seja, em vez da teoria servir ao analista, é este que passa a servi-la. // Luiz Ricardo Prado de Oliveira - "Negação da questão política nas formações psicanalíticas" coloca que a preocupação com a "pureza da psicanálise" impede os psicanalistas de repensarem a teoria à luz dos desafios suscitados pela clínica, entre outros, aqueles que dizem respeito ao corpo.).

      2. Questões relativas aos limites da psicanálise, referindo-se, basicamente, ao irrepresentável, ou seja: existe algo no inconsciente que seria irredutível à palavra // ou a palavra seria incapaz de transitar no traumático. Estas questões são colocadas clinicamente pelo trauma, pela dor, pela morte (só para dar um exemplo, pacientes com AIDS ou com Câncer, que confrontam o psicanalista com a necessidade de trabalhar um tema em princípio "irrepresentável" na psicanálise - a morte) e remetem a outras perguntas. Há ou não diferença entre o somático e o psíquico? Há ou não diferença entre o corpo biológico e o corpo erógeno? (por exemplo, qual o estatuto da dor - somático, psíquico // biológico, erógeno - ou dois aspectos de uma mesma coisa?) Com que corpo trabalha a psicanálise? Que corpo ela exclui? Perguntas estas que remetem a outra, ainda mais fundamental: é ou não possível uma expansão do campo da psicanálise, que permita lidar com estas questões a partir de um novo paradigma, que traria certamente mudanças para a psicanálise, tanto teóricas quanto clínicas? Trabalhos como o de M. Beatriz B. Ramos (mesa "A prática clínica e seus impasses") e o meu próprio (mesa "O corpo e a simbolização") colocam novas propostas quanto a estes temas - propostas "transgressoras" em relação ao que até hoje está estabelecido na psicanálise, que no entanto foram ouvidas e debatidas com algumas oposições, mas sempre com respeito e abertura. Esta postura perante o novo e diferente foi, para mim, a "nota" mais marcante deste Encontro, que nos remete ao tema seguinte.

      3. O fato de a transgressão ser colocada, em vários trabalhos e debates, com um valor positivo, ou seja - é a possibilidade de transgredir que dá espaço a um pensamento livre e criativo, na medida em que a transgressão possibilita a ultrapassagem de um limite, para "poder fazer aparecer o que não pôde ser pensado ou o que foi pensado e não pôde aparecer" (M. Isabel Szpacenkopf, no trabalho antes citado).

      4. Finalmente, mas não menos importante, foi o fato de algumas mesas do Encontro terem se dedicado à atual situação mundial. Na que participei ("O que eu tenho a ver com isto?"), muitas coisas importantes foram ditas - que a necessidade de síntese deste relato não me possibilitam colocar. Mas, para mim, o mais significativo foi o fato dos psicanalistas terem descido de seu pedestal e terem se colocado como cidadões deste planeta ameaçado que, como todos os humanos, "Têm tudo a ver com isto" - e estão se propondo a oferecer sua pequena parcela de contribuição para a construção de um mundo melhor.

  • Quero finalizar fazendo uma sugestão, que se relaciona a minha única crítica a um Encontro que considerei de alta qualidade: sugiro que os prazos estabelecidos para entrega de trabalhos sejam respeitados sem adiamentos. O fato dos prazos terem sido postergados impediu que grande parte dos trabalhos (entregues fora do prazo inicial) fossem lidos previamente, inclusive pelos debatedores. A leitura prévia dos trabalhos, via Internet, sem dúvida enriquece os debates, como ficou demonstrado em relação àqueles que estavam neste caso, por terem sido entregues dentro do prazo inicial.