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Do encontro em São Paulo, da hospitalidade brasileira e das virtudes da horizontalidade aplicadas à gestão da rede E.G.P.
Anne-Geneviève Roger
Os encontros dos Estados Gerais da Psicanálise têm isso de original que são abertos aos membros de todas as escolas, aos analistas fora das instituições mas igualmente às pessoas vindas de outras disciplinas. O princípio consiste em recusar toda censura no âmbito da circulação de idéias e a preconceber em cada participante uma capacidade semelhante em trazer um contribuição proveitosa para os outros. Destinado a funcionar fora de instâncias hierárquicas e organizado de modo a privilegiar o plano horizontal, essa rede tem a ambição de permitir um melhor exame do inanalisado veiculado pelos circuitos habituais da análise. Dito isso, o lançamento do movimento é recente e muitas disposições em relação aos encontros locais, nacionais ou internacionais demandam ainda de serem rodados.
Era normal que a assembléia fundadora reunida na Sorbonne tenha tido, pelo menos em certos aspectos e em diversos momentos, um lado um pouco solene. Em Paris em julho de 2000, o jogo da queda do trono da realeza analítica havia sido orquestrado de tal modo que não é muito espantoso também não alguns discursos tenham encontrado em contrapartida uma inflexão em direção ao gênero da proclamação.
As apostas e a atmosfera do encontro tido em São Paulo em outubro último iam ser bem diferentes. Dessa vez a tarefa era ao mesmo tempo simples e complexa já que se tratava de inventar um jeito de ser no dia a dia e de chegar a encontrar um meio de se inscrever na continuidade de uma herança européia e conseguir, para os Latino americanos, afirmar a especificidade de sua sensibilidade.
A espontaneidade e a convivialidade souberam estar presentes sem que isso prejudicasse tanto a qualidade quanto a profundidade das trocas. Salvo as duas curtas sessões de abertura e encerramento onde os participantes se reuniram no auditório central, o essencial do tempo foi consagrado à sessões de trabalho em pequenos grupos. O número elevado de mesas redondas permitiu a cada um de se implicar de modo próximo nas discussões. A grande maioria dos duzentos participantes deu o sentimento de estar perfeitamente à vontade no exercício que consistia em passar do lugar de debatedor ao de ouvinte, do lugar de ouvinte ao de expositor, do papel de contradizer em potencial ao de conciliador dos debates. A capacidade de identificar e de colocar em causa alguns dos esquemas mentais foi freqüentemente solicitada. Os pontos de convergência entre autores vindos de horizontes variados foram numerosos e em alguns momentos onde se exprimia uma "disputatio" em torno de visões diferente, até de pontos de vista opostos não tiveram nada que fosse suscetível de comprometer o bom entendimento geral. Durante esses dois dias e meio, foi freqüentemente questão de liberdade, de humor, de criatividade, de adaptações da clínica às transformações sociais, mas também da necessária implantação tanto de uma clínica do poder político quanto de uma clínica do poder analítico.
E não é um acaso se, no seio de uma assembléia que reunia uma maioria de "freudianos resistentes a Freud" (a fórmula é de Chaim Samuel Katz), de lacanianos rebeldes a Lacan, e de revolucionários já insubordinados aos Estados Gerais, uma das mesas redondas que chamou maior número de pessoas teve como prato de resistência uma exposição de Maria Isabel Szpacenkopf examinando a resistência sob o ângulo de uma prova da relação ao poder e como sinal do uso da liberdade.
Na medida em que essa reunião correspondia antes de tudo à cúpula intermediária feita por e para os Sul americanos minha participação enquanto ouvinte e debatedora vinda de Paris não tinha nada de indispensável e até mesmo complicava um pouco a tarefa dos organizadores. Mas o fato de ter expresso o desejo de ir ver como se desenrolava no Brasil um encontro dos E.G.P. bastou para provocar mensagem de boas vindas aos estrangeiros e promessa de colocar à disposição intérpretes voluntários. O princípio da hospitalidade e da porta aberta aos estrangeiros encontrava-se aí a se aplicar de modo concreto. A recepção foi das mais calorosas, o que me permitiu reforçar laços de amizade e de fazer novos laços com colegas distantes quilômetros, mas na realidade bastante próximos em pensamento.
Visivelmente há de ambas as partes do oceano Atlântico pessoas igualmente interessadas em pensar as disfunções passados e atuais da psicanálise, persuadidas do interesse em manter viva a subversão freudiana e eventualmente desejosos de refletir sobre os meios de orientar a análise num sentido que seja um pouco menos elitista.
Se nos colocarmos na ótica da preparação do próximo congresso internacional no Rio, a sessão de São Paulo ficará como uma etapa intermediária, o que não poderia significar que se possa considerá-la como uma etapa menor. Essa reunião foi importante por ter sido um modelo bem sucedido de troca livre dos pensamentos, um modelo de congresso que escapa bem às regras habituais que desejariam transpor a esses lugares relações diretas e mascaradas de poder. Nesse sentido, o colóquio de São Paulo ficará como um elo que permitiu tornar um pouco mais crível o procedimento da assembléia dos Estados Gerias da Psicanálise.
Em suas próprias palavras, Maria Cristina Rios Magalhães declarou ter organizado e coordenado esse encontro de modo bastante "artesanal".
A partir daí, a melhor coisa a desejar a essa rede é que cruze a sua estrada no futuro muitos humildes artesãos capazes de efetuar um trabalho dessa qualidade.
E se esse deve ser o caso, apostemos que não há muitas preocupações quanto ao futuro dos E.G.P.
Anne-Geneviève Roger
5 Rue Daubigny Paris 75017
E-mail: ag.roger@wanadoo.fr
Tradução Mirian Giannella
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