<< BACK

Falas dos Leitores

Paulina Rocha

Tema 1:
Psicanálise, política e estado

Bom dia a todos. Obrigada pela presença de todos essa manhã. Soube que alguns fizeram uma bela farra ontem à noite. No entanto, estamos todos quase na hora aqui.

Ontem à noite, o Jurandir falou, no fim, que se a gente não pode ser claro, ao menos vamos tentar botar às claras as obscuridades. Como hoje é 6a feira e apesar de eu não ser brasileira, o branco de 6a feira, é para botar todo de branco, eu me disse: vou me vestir toda de branco pra ser mais clara. Aí eu me lembrei de uma brincadeira que me contaram. Em Maceió, durante uma campanha eleitoral, um deputado chegou no palanque e disse: eu vim de branco pra ser mais claro, então eu desisti e me vesti de verde, achei que era melhor me vestir de verde que é de esperança.

Hoje nós instalamos uma Assembléia Geral dos Estados Gerais para que todos aqui presentes possam se pronunciar após os colegas que vão exercer sua função de leitor, sobre este tema. Eu gostaria de iniciar com algumas palavras para colocar esse tema em pauta.

“Milagre em Milão”. É um filme de Vitório De Sicca e foi a primeira mensagem, imagem que surgiu quando me pus a pensar sobre o tema PSICANÁLISE, POLÍTICA E ESTADO. A cena do filme, que se passa após a segunda guerra mundial, 1946, é inesquecível para quem o viu. Numa praça rodeada pelos prédios destruídos, uma multidão perambulava. Tiritando de frio, mal ajambrada, meio faminta, sob um céu baixo, cinza, coberto de nuvens. A cena é de desespero e desolação. De repente, neste mundo desolado, através das nuvens pesadas, um raio de sol ilumina e forma um círculo de luz nesta praça acinzentada. Das gargantas irrompe um grito de alegria misturado com surpresa e as pessoas correm para o círculo iluminado pelo sol festejando, de rostos levantados. O raio de sol desaparece e com ele uma desilusão se instala. Mas logo em seguida aparece num outro canto da praça, e as pessoas correm com a mesma alegria arrancada das gargantas, esquentando-se, encontrando-se, agrupando-se neste raio de esperança.  Pensei que essa seria uma boa metáfora para falar dos Estados Gerais de Psicanálise 2000, o nosso milagre em Paris. Mais logo me lembrei da notícia, publicada na revista Veja em agosto deste ano, intitulada “Tolices instantâneas”.  Um grupo se reúne num espaço público, realiza conjuntamente alguma ação rápida como bater palmas ou executar passinhos de dança e em questão de minutos se dispersa. Os chamados flash mobs, organizados por meio de uma corrente de e-mails, ocorreu também em São Paulo. Cerca de 100 pessoas se reuniram em uma esquina da avenida Paulista e ao primeiro sinal verde, depois das 12h40, começaram a atravessar a avenida. Pararam subitamente, arrancaram um sapato, bateram com ele no chão, e depois seguiram em frente. Embora o jornalista tenha desaprovado este novo modo de se agrupar, podemos reconhecer nele a realização de uma ação em conjunto, para viver o júbilo de um feito coletivo. Esta poderia também ser uma metáfora dos Estados Gerais de Paris, dos Estados Gerais da  Psicanálise que aconteceram em Paris em 2000.  Quando foi lançado um apelo que oferecia a possibilidade, que oferecia uma nova maneira de se agrupar e falar em nome próprio o que cada um formulou e o que cada um de nós podia sustentar, enquanto pessoa, da sua teorização e de sua prática clínica. Todos que se movimentaram rumo a Paris com certeza sentiram a convocação como algo que  lhes dizia respeito. Assim realizaram, sem dúvida, uma ação política.  O que nós esquecemos, apesar de psicanalistas, foi da força da compulsão à repetição e por ingenuidade, ou por alegria, quem sabe, ou algo que marca a história da psicanálise, não nos debruçamos com a disposição necessária sobre a questão de poder e política.  O que hoje constatamos é que nestes três anos que nos separam de Paris muitas repetições aconteceram, fora e dentro do mundo psicanalítico.  Isto me traz uma lembrança da minha terra, da Croácia, hoje em dia.  Nos idos anos 90, antes do início das guerras balcânicas, no momento da dissolução da República Federativa da Iugoslávia, Milovan Dilas deu uma entrevista a uma revista croata. Dilas era o companheiro de Tito durante toda a guerra, durante cinco anos da Segunda Guerra Mundial e nos primeiros anos da instalação do comunismo e tornou-se famoso, no mundo inteiro, por ter denunciado o que ele chamou de burguesia vermelha. Referindo-se nessa entrevista aos posicionamentos do grupo dirigente do partido comunista, rememorou o pavor que eles tinham, naqueles anos, dos intelectuais, segundo ele, inconfiáveis. E mesmo quando eles se confrontaram com a própria incompetência, e se deram conta de que eram incompetentes para dirigir um Estado, não conseguiram modificar.  Preferiram se refugiar no Dogma.

Questionado pelos jornalistas se o problema era de natureza financeira, se não era a burguesia vermelha, ou se era uma questão de ideologia, ou de crença, ele respondeu: que nada, que crença, que ideologia, que dinheiro?  A questão era o poder. O poder é que corrompe. É claro que ele estava se referindo ao poder dos sistemas totalitários. Hanna Arendt nos oferece uma possibilidade de pensar o poder. Para ela o poder resulta da capacidade humana para agir em conjunto.    O que requer, por sua vez, o consenso de muitos quanto a um curso comum de ação. Fora disto, não existe poder, mas violência. Mas ação, palavra e liberdade não são coisas dadas, requerem a construção e manutenção do espaço público, pois podemos pensar por conta própria, mas só podemos agir em conjunto no espaço público e no momento em que se começa algo novo, como acho que começamos. Através da ação política, que acho que fizemos, uma ação em conjunto num espaço público.  Estados Gerais pode ser este espaço público, a preocupação não é com o Eu, mas com o mundo. A marca para a primeira convocação dos Estados Gerais em Paris, foi falar em nome próprio. Quem sabe, a marca deste não seja a criação da possibilidade de um agir em conjunto com o olhar voltado para o mundo. Obrigada.

Texto na íntregra para download
no formato Acrobat (.PDF)

Texto completo para download
en el formato Acrobat (.PDF)

Texte en entier pour download
dans le format Acrobat (.PDF)

Text in full for download
in Acrobat format (.PDF)

PORTUGUÊS  

Caso não possua o programa Adobe Acrobat,
clique no ícone acima. (programa de distribuição gratuita)