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Comentários
dos Participantes
Helena Floresta
de Miranda
Sobre Tariq Ali
Este é um depoimento pessoal. Seria inteiramente
irrelevante não fossem os ecos que ainda
me chegam da palestra de Tariq Ali no Hotel Glória,
Rio de Janeiro. Vejamos:
tenho a maior simpatia por religiões
que pregam virtudes que considero importantes.
Caridade, tolerância, proteção
aos mais fracos, etc. Por todas essas religiões,
e também por aqueles que procuram seguir
seus princípios.
Tenho a maior antipatia por qualquer religião
que pregue a intolerância, a crueldade,
a brutalidade. Nem sei se existem. Mas sei que
existem pessoas que religiosas ou não
atravessaram a história praticando
atos vis, muitas vezes vinculando sua prática
a preceitos religiosos.
Nasci no Rio, não estudei em colégio
religioso e jamais tive qualquer outro critério
para a escolha dos meus amigos que não
fosse o de afinidade e simpatia. Tenho, portanto,
amigos de diversas procedências familiares
no que toca raça e religião. Católicos,
judeus, japoneses, espíritas, ateus, eram
todos iguais. Eram meus amigos. Curiosamente,
não fiz amigos muçulmanos. Acho
que por total ausência deles nos meios que
eu freqüentava.
O desconhecido pode ser atraente ou objeto de
preconceito e rejeição. No meu caso,
confesso um vago preconceito contra os árabes.
Vibrei com a guerra de 67 quando Israel sagrou-se
vitorioso em tempo record. E prossegui vida afora
na maior ignorância de uma parte substancial
da humanidade. Não queria me aborrecer
com questões longínquas que não
me diziam respeito. (como se isto fosse possível!)
Até que veio o 11 de setembro!!!! Era
uma terça-feira, estava trabalhando, inocente,
e nos intervalos pensava no jantar que festejaria
o aniversário de minha filha mais velha.
Foi quando um paciente entrou anunciando o fim
do mundo. O impacto foi enorme. Sempre considerei
todos os atos de terrorismo abomináveis,
de onde quer que viessem.
No dia seguinte, li uma matéria da Susan
Sontag que me surpreendeu. E logo depois, um texto
grande, acho que uma meia página do JB,
traduzido de um jornal inglês, assinado
por Tariq Ali. Era bem escrito, muito objetivo,
narrava fatos escabrosos e dava todas as fontes
para quem quisesse conferir. O texto me emocionou
muito, assim como me emocionara a visão
das torres desabando. Resolvi tentar entender
melhor o outro lado da história. Passei
a ler, a refletir e a me indignar. A imagem das
torres começou a me comover menos. Outras
imagens se sobrepuseram.
Li três livros de Tariq Ali, dois de ficção
histórica e um que infelizmente está
bem longe da ficção: "Confronto
de fundamentalismos." Este livro mudou muita
coisa na minha visão do mundo. Tocou-me
a maneira justa como descreve e analisa os fatos.
Critica ou enaltece indiscriminadamente cristãos,
árabes e judeus. Critica o que tem de ser
criticado: traição, corrupção,
violência, brutalidade.
Tive oportunidade de ouvi-lo em uma palestra
pela paz, antes da invasão do Iraque. Pude
ouvi-lo novamente aqui no Rio. É um homem
indignado, inflamado, lúcido e justo.
Conclamou os presentes a refletirem sobre os
atos terroristas praticados pelos chamados homens-bomba.
Contou a história de uma jovem de 18 anos
que perdera 20 pessoas da família em ataques
americanos (ou teriam sido israelenses?) terroristas
não suicidas, bem protegidos em tanques
ou atacando à distância com mísseis.
A jovem dizia que não queria mais viver.
Já nem me lembro se deixou uma carta antes
do atentado suicida ou se foi detida antes.
Hoje, o surpreendente para mim é a nova
compreensão de um ato terrorista. É
como se houvesse sob o mesmo rótulo duas
possibilidades: o mesmo ato abominável
pode ser vil, cruel e opressor ou um apelo desesperado
por justiça, ainda que ao preço
da própria vida (e da de outros, claro).
Há uma diferença. Algo que me parecia
impossível aconteceu: ter diferentes sentimentos
por atos que para mim eram sempre condenáveis
e ponto.
A palestra de Tariq Ali durante os Estados Gerais
no Rio, em 2003, esteve de acordo com o que diz
em seus livros. Bate-se contra atos indignos,
denuncia ferozmente o que às vezes deixamos
de lado. Repito, é um homem inflamado,
mas não é fanático. Procura
manter a clareza de julgamento o tempo todo.
Gostei muito de sua fala, como já gostara
de seus livros. Nos comentários, ouvi coisas
espantosas: ..."ele teria defendido o terrorismo,
aprovado os atentados suicidas e ofendido os judeus"
... Como ouvi perfeitamente o que ele disse, tive
a impressão bizarra de duas palestras em
uma só.
No dia seguinte, no fechamento do encontro,
houve três falas que me chamaram a atenção:
duas participantes, muito emocionadas, lembrando
o massacre dos judeus na segunda guerra e vociferando
contra o Sr. Ali, como se ele tivesse proferido
um manifesto nazista. Mas se tudo que este homem
faz é justamente denunciar massacres e
opor-se vigorosamente a eles!!!
Fiquei com a desagradável impressão
de que para as participantes em questão
um único massacre seria respeitável
e digno de solidariedade. Não ouvi nada
sobre o massacre de japoneses em Hiroshima, dos
coreanos, dos vietnamitas, do Kosovo, do Timor
Leste, dos palestinos, etc. etc. etc. para citar
de memória os mais recentes. E os índios,
e os ciganos, e os curdos, e os negros, e os...
Basta! No final do encontro, uma terceira participante
tomou a palavra e tive então a certeza
de que pelo menos alguém ouvira a mesma
palestra que eu...
Gostaria de parabenizar os organizadores dos
Estados Gerais de 2003 pela realização
do evento, pela escolha dos palestrantes e pela
maneira elegante com que acolheram a todos.
Helena Floresta de Miranda
Rio, maio de 2004
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