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Ana Marta Meira
Autores: Jean Bergès e Gabriel Balbo
CMC Editora (cmceditora@myway.com.br), 2002 - 160 p.
ISBN: 85-88640-03-1
não dá consistência ao ato do analista senão por
se sustentar em um desconhecimento."
Jean Bergès e Gabriel Balbo
Jogo de Posições da mãe e da criança - Ensaio sobre o transitivismo, novo lançamento da CMC Editora, é um livro que traz uma reflexão instigante sobre este tema que se encontra em cena na subjetivação primordial da criança, mas que revela suas formações em outros campos onde se tece o laço social.
Reportando-se às origens conceituais do transitivismo a partir dos estudos psiquiátricos sobre as psicoses, das contribuições de Wallon e posteriormente de Lacan, Bergès e Balbo analisam as configurações em que o transitivismo se enlaça, para além de uma relação biunívoca. Estes jogos de posições se entrelaçam nos registros do real, do imaginário e do simbólico, apontando para a importância da contribuição de Lacan ao reportar-se ao discurso que os veste e que os constitui.
A criança é marcada por movimentos que a remetem à letra e ao discurso, instâncias simbólicas que o transitivismo aponta em seu horizonte. Neste, a mãe transitivista é aquela que atribui a seu filho a hipótese de um saber e ao mesmo tempo lhe outorga a possibilidade de construí-lo a partir de uma posição marcada pelo desconhecimento. Ao contrário, a mãe que "sabe tudo" não possibilita à criança a constituição de um saber marcado pelo simbólico, mantendo-a presa a uma posição de objeto, impossibilitando-a de ingressar na travessia do transitivismo. Estas são algumas referências que podemos encontrar no trabalho de elaboração efetuado por Bergès e Balbo, a partir de sua rigorosa reflexão teórico-clínica.
Para além do laço primordial entre a mãe e a criança, os autores remetem-se a outros campos nos quais se encontram em jogo as posições transitivistas. A professora, em outro momento da vida da criança, também coloca em cena estes movimentos. A este respeito, os autores escrevem:
"Se, no "revezamento" transitivista, a criança recebe o "bastão" de sua mãe e se torna, por sua vez, transitivista, a clínica mostra que outras pessoas vão, também, tomar desse "bastão" e passá-lo adiante: professores e educadores especialmente, que vão, eles próprios, exigir da criança que ela se identifique a seus discursos sábios, porque fazem a hipótese de que o que eles lhe transmitem se articula a um saber que ela já possui. Na clínica, os fracassos das aprendizagens não podem ser corretamente abordados se não se levam em conta os desvios do transitivismo." (p.12)
Lacan refere-se ao transitivismo em vários escritos, entre estes A agressividade em psicanálise, onde escreve que no momento especular a criança apresenta na presença de seu semelhante um comportamento pleno de "reações emocionais e testemunhos articulados de um transitivismo normal. A criança que bate diz ter sido batida, aquele que vê cair, chora. Igualmente, é em uma identificação ao outro que ela vive toda a gama de reações de imponência e ostentação, das quais suas condutas revelam com evidência a ambivalência estrutural: escravo identificado ao déspota, ator ao espectador, seduzido ao sedutor"." (29) Nesta passagem podemos encontrar diversas vias em que o transitivismo opera, mesmo no âmbito social.
Os tópicos analisados por Bergès e Balbo evidenciam um extenso trabalho de aprofundamento no qual, articulados ao transitivismo, encontramos os seguintes temas: os jogos de posições da mãe e da criança, a identificação, o espelho, o novo sujeito, a afânise, o corpo, a voz, o objeto alucinatório do desejo, a neurose obsessiva, a agressividade, o real, simbólico e imaginário, a necessidade de desconhecimento, a condução do tratamento. Neste tecido, o campo do transitivismo, antes circunscrito às relações objetais, adquire novos contornos a partir das contribuições da psicanálise, nas quais a palavra que é ali colocada em jogo passa a marcar um laço simbólico.
Este é um livro para ser lido e relido, fonte de consultas, interlocuções e reflexão. Institui uma direção relativa à posição que cabe aos psicanalistas no campo clínico e para além deste: a de trabalhar desde uma leitura que considere a história e as origens do conceito, virando-o do avesso e produzindo uma reflexão que repercute em transformações na forma de olhar a clínica e outros campos que também se encontram marcados por jogos transitivistas e, portanto, ligados à transmissão simbólica.
O processo analítico apresenta jogos próprios do transitivismo e do desconhecimento que o funda . Em relação a este ponto, os autores reportam-se a Freud, que escreveu em "Construção e reconstrução em psicanálise" a respeito da posição do analista, que reconstrói "no só-depois, e a partir da hipótese de uma demanda que ele supõe no paciente, toda a etiologia do sintoma, do mesmo modo que o arqueólogo, de posse de um pouco de restos, reconstrói a cidade que acaba de descobrir." (p.152) As cidades por descobrir, nesta travessia pelas formações do inconsciente, são reconstruções que se encontram em uma direção oposta à via racional e compreensiva.
Sobre as palavras construção e reconstrução, que se encontram em jogo no processo analítico, sua história aponta para os fios que tecem laços a inventar:
Construir: amontoar, empilhar por camadas ordenadas.
Reconstruir: encontrar uma realidade desaparecida.
Desta forma Bergès e Balbo finalizam seu trabalho, apontando que na análise "o analista tem que inventar um real. "
Ana Marta Meira
E-mail: ammeira@portoweb.com.br
Psicanalista, psicóloga,
Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre,
Mestranda do Curso de Pós Graduação Psicologia Social e Institucional da UFRGS