O que cabe a um homem, a um pai?

María Antonieta Pezo del Pino de Fisch

Desde tempos remotos cabia ao homem a tarefa de procurar o sustento, proteger o grupo dos perigos e desbravar terras desconhecidas . Desde esses tempos até agora houve grandes mudanças e com a civilização e cultura o lugar do homem e do pai tem tido nuances e diferenças próprias do tempo, da história e da civilização. Se algo prevalece ao longo desses séculos como particular ao homem é conquistar e proteger o que é dele, a modernidade trouxe à condição feminina a possibilidade de compartilhar junto a ele algumas funções que só lhe cabiam ao homem/pai, ela ajuda no sustento familiar.

O homem desbravava e conquistava novos territórios, estabelecia limites no espaço que dominava e uns homens eram submetidos ao poder de outros, terras eram troféus...e mulheres eram os prêmios dessas conquistas. No mundo moderno o homem continua a conquistar espaços na luta pela sobrevivência, não mais do clã, e sim, de si próprio. Ele precisa conquistar um espaço, no cada vez mais estreito mercado de trabalho, e num outro terreno, conquistar mulheres...será? O amor romântico do cavalheiro conquistando terras e posses para sua dama, lutando, se gladiando e morrendo, como no drama shakesperiano pela sua dama ficou nos romances clássicos e com algumas variantes que beiram o caricaturesco nalgumas novelas mexicanas, venezuelanas e brasileiras em voga nos horários nobres. Ficou brega o amor romântico, restou o conquistador o garanhão a caça de gatas com as quais se dizem fazer "sexo seguro", como na matéria publicada recentemente pelo ídolo nacional Ronaldinho. O homem pós moderno virou objeto sexual, há um apelo igual a mulher, ele poder exibir seu corpo, são conhecidas figuras nacionais exibindo sua nudez. Quanta mudança em tão poucos anos!, diríamos, décadas. Mudanças que para alguns nascem como natural e que para outros ainda não podem ser digeridas.

Digitando num teclado de computador bastante duro de teclar, comentei que parecia uma máquina antiga daquelas Royal pretas, não que elas fossem duras , mas que precisavam de uma certa força no dedo na hora de digitar as letras, relíquia valorizada, ainda por alguns escritores alérgicos ou resistentes a pós modernidade da era do computador. A minha interlocutora que não chegava a duas décadas ficou me olhando convencida de não entender que tipo de comparação estava lhe fazendo. Estas mulheres/moças vivem na era onde os papeis do homem e da mulher ficaram bastante confusos ou no mínimo não cabe só a um realizar uma tarefa. Já tive pacientes contando as aventuras ou as peripécias para esconder ou para exibir os calendários de mulheres nuas e provocativas na sua adolescência. Acho difícil encontrar adolescentes levando estes "tesouros" ou mostrando-os aos amigos nos botecos ou próximos dos banheiros, onde junto a um fumo de tabaco, escondidos sonhava com ter alguma destas beldades, na cama dos seus sonhos eróticos. O bombardeio kosoviano da nossa década, no Brasil, é sexual ( não, que não queira também pensar nas outras formas de violência que também nos atingem) é na televisão, no filme das 14:00 da recorde, na novela das 18 horas da globo, só para não comentar que a vilã das crianças é a novela das oito onde o apelo ao bum bum, adultério, a caricatura da homossexualidade é escancarado.

O homem conquistador... ? será que ele pode, perante o assédio visual e concreto de mulheres que não tem mais encantos a esconder; as quais, filhas da liberação feminina da década dos 70, vão à caça das suas pressas para exibi-los como tesouros dos tempos medievais. A lógica do discurso feminino dos nossos tempos; é por que se ele pode, e, eu não posso? Por que só o homem... porque não eu ? só por que sou mulher? E uma bela desculpa para os mais diversos tipos de comportamento feminino atual onde na busca pela equidade, resta muitas vezes, força a mulher, para outras e mais verdadeiras lutas que ela precisa realizar e atingir para encontrar um caminho que lhe de satisfações.

Mas ainda há homens querendo conquistar a amada e mulheres querendo ser amadas, protegidas e sustentadas. Homens que após múltiplas tentativas pseudo-amorosas próprias de quem precisa reforçar a condição de macho, caem baixo o influxo amoroso da era do amor romântico e escolhem amar uma mulher, e renunciar ao prazer de ter outras. Amor e renuncia precisam ir juntos para trilhar longos caminhos. Não é renunciar a ser aquilo que a pessoa é, pois ali não há amor, há uma condição de impostura amorosa onde o sujeito é aquilo que é esperado dele, sujeito submetido ao desejo de um outro, prazer que não é dele e sim, de quem olha para ele . Quando falo de renuncia , me refiro concretamente ao renunciar a ter outras mulheres para si, outros homens para si. O que a mulher quer? É a grande pergunta que Freud se fazia e seus seguidores, ainda, se fazem. Vagamente, sem querer deixar o interrogante fechado, diríamos que ela busca ser amada. E o homem o que ele deseja? Conquistar para si, provas da sua virilidade e da sua potência; e, quando encontra a mulher que ama ele não deixa de lado este desejo ele quer um filho com ela. O filho lhe traz a marca desta potência masculina deste poder atingir o que lhe é de fato na sua imaginação uma posse, a mulher, que lhe brinda um filho, que levara pelo resto dos séculos o seu nome.

A paternidade, o fato de um homem se fazer pai nasce de um desejo de poder ser como aquele pai que ele teve, que amou uma mulher e que desejou dela ter um filho. Pai e filho é um encontro de gerações, não apenas um fato de reprodução de espécie ou de doação de espermas num banco ou num encontro fortuito para satisfazer o tal desejo pela maternidade doentio de algumas mulheres que precisam para se "completar" ser mães. O homem para poder ser pai precisou amar e escolher entre muitas mulheres (apetitosas, gostosas e demais adjetivos possíveis) uma, para ser mãe do seus filhos. O homem para ser pai precisou escolher e renunciar as outras. O sentimento pelo filho começou no amor a aquela mulher que procriou o sangue do seu sangue ( não é incomum referir-se ao nome do pai, o sobrenome e ao sangue como sinônimos de uma marca ).

A maternidade parece que vem na mulher junto com marcas no próprio corpo, a natureza lhe fez possível mudanças que permitem-lhe albergar e proteger o bebê alimentando-o com o calor e leite do próprio corpo. A menina desde que nasce vai se preparando para um dia ser mãe. O corpo, a sociedade lhe mostram que ela pode realizar esta missão. A paternidade não tem marcas corporais ela é produto de múltiplas relações construídas, que possibilitam a um homem poder ser pai. Essa construção se inicia na relação com a própria mãe, aquela solícita e protetora dos primeiro anos, aquela mãe que lhe permite amar e respeitar o próprio pai, aquela que lhe permitiu encontrar no pai um modelo de homem, companheiro, cidadão, e pai. Construção possibilitada também pelo próprio pai, quem lhe mostra que ele também teve que fazer uma escolha, amando uma mulher, a mãe da qual ele desejou um filho. Pai modelo de afeto, expressado corporalmente, companheiro, solicito nas horas difíceis, firme quando necessário, respeitoso e ao mesmo tempo sendo capaz de impor uma certa ordem que deixe claro para o filho que há lugares a serem mantidos e não misturados: lugar de pai, lugar de mãe, lugar de filho.

Celebrar o dia dos pais, para alguns é pretexto de comprar um presente, para outros construir versos, e refletir sobre esta relação. Nossa intenção é esta última. O pai, não é retórica da prosa ou do verso. É um lugar e função que precisam estar muito claros e valorizados no mundo familiar da era pós moderna que vivemos. Ele não é o produtor de espermas, lugar ao qual tem sido muitas vezes reduzido. Ele já foi há poucas décadas atrás o centro do mundo familiar, o Todo-Poderoso chefe da família, que com sua autoridade submetia os membros à seus caprichos. O ditado do pai era lei. Lei que muitas vezes era tão cruel que muitos filhos se rebelaram porque eles não desejavam para si aquilo que os pai tinha lhes determinado, Nas novelas de costumes e nalgumas culturas ainda permanece este tipo de pai.

O que nos interessa é o pai dos tempos atuais, um homem e um pai produto das múltiplas mudanças processadas no sociedade e na família, filho do autoritarismo ou do liberalismo, filho da mudança do lugar e papel da mulher no mundo. Um homem que vive mudanças constantes, exigências, e lutas, mas que, em definitivo, para poder ser pai precisou e precisa amar uma mulher que lhe seja companheira, cúmplice, amante e mãe dos seus filhos, uma mulher e mãe que respeite e valorize seu lugar de pai, que permita que os filhos se aproximem amorosa e respeitosamente dele, uma mulher mãe que não utilize os filhos como troféus a exibir, uma mulher que reconheça que o filho não lhe pertence. A paternidade é uma relação que se constrói e produz no encontro de gerações, no encontro amoroso com uma mulher que permite a um homem poder ser pai do filho que ela gerou com ele. Um homem se faz pai no encontro com esse filho, no contato, no convívio, no confronto com as exigências praticas e amorosas que lhe deparam o cotidiano, a rotina, o dia com o filho.

Maria Antonieta Pezo de Fisch
Psicanalista - Coordenadora de Gruppa - Intervenções Grupais - Coordenadora do CEPPA - Centro de Estudos Pesquisa e Psicanálise de Araraquara
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