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"O que não pertence a ninguém ... e as apresentações da histeria*
Silvia Leonor Alonso
Ao percorrer as publicações das últimas décadas sobre a histeria, ou mesmo em conversas com colegas, freqüentemente nos deparamos com frases do tipo : "não encontramos mais crises espetaculares como as descritas por Charcot", ou, "para onde foram aquelas mulheres maravilhosas, as Annas O., as Doras?[1]", ou ainda, "em nossos dias não há mais histéricas como as de antigamente". E seria possível tê-las[2] ? Todos sabemos que as histéricas evoluem conforme a época, que elas não vestem roupas emprestadas das avós, mas as costuram em sintonia com o ambiente para o qual se apresentam. É na microcultura que as rodeia que encontram os materiais com os quais constroem suas "máscaras feitas à mão[3]" que lhes permitem aparecer com diferentes rostos.
A seguinte afirmação de Perrier (1979) é, nesse sentido bastante esclarecedora: "a histeria se institui dentro de um certo espaço de saber. Ainda que nessa situação possa se tratar de uma geografia das comunicações. Uma família fixada no anacronismo cultural de uma aldeia perdida, produzirá ainda doentes como as de Charcot, e casos de conversão para os museus da nosografia; ao contrário, as filhas da intelligentzia parisiense demonstrarão com brios os últimos progressos da personalidade histérica através das anedotas libertárias de uma hiperatividade sexual (p. 162) ".
Como, num dado momento histórico, a "geografia das comunicações" varia nas diversas microculturas, expressões sintomáticas diferentes convivem lado a lado: assim, ainda hoje podemos ver moças desmaiarem em vez de dar a notícia que estão grávidas, em famílias para as quais a "maternidade" e a "virgindade" continuam constituindo os troféus fundamentais do feminino. Mas nesta nossa mesma época é possível ver-se uma jovem definhar, seu corpo inteiramente reduzido, na anorexia, presa da mortificação, sob o império da "cultura light" que toma o "estar em forma" como imperativo máximo do ideal de saúde e beleza. Apesar de suas grandes diferenças, há em ambas algo em comum: o corpo como lugar de expressão daquilo que não consegue ser dito.
No entanto, se é imprescindível reconhecer a diversidade sintomática que acompanha as diferenças de contextos familiares ou microsociais presentes numa determinada época, não podemos deixar de reconhecer (quando estamos falando da histeria) a forma de apresentação dominante em cada momento histórico, o que cria verdadeiras "ondas" ou "epidemias".
Para localizar esta questão, vou me referir a um texto do psicanalista francês Mikkel Borch-Jakobsen (1997) escrito nos EUA em 1992. O texto se denomina "Para introduzir a personalidade múltipla", e refere-se à seguinte questão epidemiológica: a primeira onda de casos de Distúrbios de Personalidade Múltipla (DPM) chegou à Nova Inglaterra vinda da Europa na "Belle Époque" de Charcot, Janet e Binet. A partir de 1930, essa primeira onda parecia ter desaparecido, encontrando-se apenas alguns casos isolados. Em 1973, o livro Sibyll, o diário de uma personalidade múltipla, é publicado por Cornelia Wilbur e pela jornalista Flora Shreiber, tendo sido transformado em um filme de Hollywood e obtido grande sucesso. Desde então uma nova "onda" parece surgir, os dados epidemiológicos mostrando a existência de 200 casos antes de 1980, 1000 em 1984, 4000 em 1989 e 30000 nas últimas estimativas. O autor tem a respeito uma posição muito interessante : esse aumento é paralelo ao estabelecimento do movimento de pesquisa e tratamento das personalidades múltiplas, acentuando-se à medida que este vai ampliando seu espaço nos serviços hospitalares, congressos, seminários e publicações. A síndrome passa a ter um lugar no DSM III (à diferença da neurose, que perdeu espaço) e sobretudo ocupa uma posição de destaque na mídia. Ou seja, há um crescimento paralelo do tema -no espaço simbólico e no espaço da mídia- e da epidemia. O que conduz o autor à seguinte afirmação : "Os distúrbios de personalidade múltipla são uma 'epidemia psíquica' exatamente como o foram a 'grande histeria' de Charcot, as 'crises magnéticas' de Mesmer, os convulsionários de São Médard ou as possessões do século XVII" (p.82). E conclui: "os DPM são a forma adotada pelo transe num determinado contexto histórico-cultural, ou seja, nos EUA dos anos 1975-1990", acrescentando ainda que, "talvez sejam os DPM o exemplo paradigmático no qual a falta de um corpo próprio faz a desenvoltura com que lidam com seu corpo real como se fosse um 'corpo de outro' ( p. 67 ) [4]".
Um relato feito por Freud na Interpretação dos Sonhos (1900) aproxima o tema da epidemia histérica: numa sala de hospital, uma das internas recebe uma carta da família que lhe reaviva uma dor de amor, fato seguido de uma crise histérica ; as companheiras de sala observam e também sofrem uma crise. Comentando tal situação, Freud afirma que um certo raciocínio estava na base desta crise, raciocínio que não chega à consciência, e continua: "se por uma causa como essa alguém pode ter um ataque, isto pode acontecer comigo já que tenho motivos semelhantes" (p. 168). O que o leva a deduzir que a identificação histérica não é uma mera imitação, mas que nela há um "igual a", um "comum" que permanece inconsciente e que consiste numa reivindicação etiológica. Decorre daí uma importante conclusão : "É pelo caminho da identificação que os histéricos chegam a expressar nos seus sintomas as vivências de toda uma série de pessoas e não apenas as próprias, como se representassem todos os papéis de um drama só com seus recursos pessoais" (p. 168).
Voltemos um pouco mais no tempo. Um médico hospitalar do século XIX chamado Briquet, encarregado do serviço do Charité, fez espalhar o boato - num momento em que as histéricas internadas no serviço apresentavam crises mais graves que de costume - de que pretendia cauterizar com ferro à brasa a cabeça daquela que tivesse a crise mais barulhenta. Essa ameaça não suprimiu as crises mas, no dia seguinte, uma jovem em delírio gritava que a estavam queimando e que via fogo. Uma vizinha que a escutava teve também uma crise na qual falava de fogo celeste. Episódio que leva o autor que o relata - Etienne Trillat (1991) - a fazer a seguinte afirmação : "A histérica não reproduz somente o que pertence à sua problemática pessoal, mas sim reproduz o que não pertence a ninguém, o que circula como representação coletiva"(p. 123).
A histérica - naquilo que lhe é mais específico em termos da constituição de seus sintomas - revela-se como verdadeiro paradigma de uma das afirmações capitais da Psicanálise sobre a constituição da subjetividade : não existe constituição solipsista do psiquismo. Diz Freud na Psicologia das massas (1921) : "A oposição entre a psicologia individual e a psicologia social, ou das massas, que à primeira vista nos parece muito substancial, perde parte de sua nitidez se a consideramos mais profundamente. É verdade que a psicologia individual se restringe ao ser humano singular e estuda os caminhos pelos quais busca alcançar a satisfação de suas moções pulsionais. Na vida psíquica do indivíduo, o outro conta com total regularidade, como modelo, como objeto, como auxiliar ou como inimigo, e por isso, desde os começos, a psicologia individual é simultaneamente psicologia social" (p. 67).
Figuras da histeria Um corpo de mulher caído no chão, entre espasmos e gesticulações, sem voz e às vezes sem sentido. Em movimentos convulsivos o tórax se eleva, respirando com dificuldade...
Era assim que a histérica se apresentava nos tempos de Hipócrates. E se apresentava para um público que a olhava acreditando em um útero andarilho que, deslocando-se pelo corpo, pressionava o órgão sobre o qual se apoiava, provocando uma doença de sufocação. Sem voz e sem sentido, através de um corpo que se movimenta de forma animalesca, é assim que se apresenta a histérica numa época em que a proximidade entre a mulher e o animal é frequentemente apontada no discurso dos filósofos. As mulheres, longe de serem criaturas de Deus, eram consideradas como transformações, numa segunda geração, dos homens vis e covardes, situando-se assim nas bordas do mundo do humano.
No entanto, quando se apresenta para ser olhada na Inglaterra puritana do século XVIII, sob um olhar desexualizado, que eliminou a força e a concupiscência das paixões uterinas, ela se veste de mulher vaporosa, pálida e quase desfalecida, corpo lânguido e olhos semi-fechados, parecendo carecer de forças até mesmo para fazer uma crise. As explosões são sufocadas pelas tapeçarias e as gesticulações freadas pelas almofadas; suas crises reduzem-se às vertigens, aos suspiros e, às vezes, ao desmaio (Trillat, 1991).
Se entrássemos na Salpétrière no século XIX, encontraríamos uma cena semelhante à do quadro de Brouillet, A lição clínica na Salpétrière, onde Blanche Wittman reproduz uma crise idêntica àquela desenhada no quadro pendurado numa das paredes da sala. Um corpo/quadro que, no espaço plano do desenho, apresenta uma figura respondendo ao que se encontra nos olhos do mestre Charcot. Este, como lembra Freud, era um desenhador, um visual, um artista: enquanto defensor do método anatômico-clínico fez primar a observação, tendo construido uma teoria que se manteve prisioneira do narcisismo (Major, 1991). Charcot realizou uma cuidadosa semiologia, ordenou o que até então não se expressava como figura, mas não conseguiu alcançar a espessura, a perspectiva tridimensional que seria introduzida pela escuta.
A Psicanálise propôs-se a recuperar o poder mágico da palavra. Na escuta freudiana, o relato ocupa o lugar que pertencia ao espetáculo no campo visual. O corpo não é mais um plano, mas tem em si próprio a espessura do espaço psíquico, da constelação fantasmática e das posições identificatórias. A histérica, para fazer-se ouvir, precisou substituir os gestos por palavras. "Já não há histéricas como as de Charcot". E não poderia havê-las, já que a própria psicanálise as transformou.
Vemos então, de que forma a clínica da histeria conta a história da cultura, da sexualidade e dos discursos do saber que lhe solicitam uma forma de apresentação; como afirma Perrier (1979) : "é dentro de um espaço de saber que a histeria se institui" (p. 162).
Mas, se a histeria espelha aquilo que está ao seu redor, como pensar as mediações? Quais características do psiquismo histérico outorgam-lhe sua capacidade camaleônica ?
Gostaria de assinalar três vertentes através das quais pode ser pensadas a questão:
- a geografia simbólica do corpo
-o corpo desexualizado
-a fragilidade da imagem corporal.
A geografia erógena do corpo Que corpo é este no qual a histérica constrói os seus sintomas ? Como se dá o trabalho de sua modelagem ?
Em um texto de 1893, Freud publica os resultados de uma pesquisa que realizou, a pedido de Charcot, durante sua permanência na Salpétrière. Desta investigação decorrem conseqüências muito interessantes :
1) Na comparação entre as paralisias orgânicas e as histéricas, percebe que estas últimas não respeitam as enervações motoras, mas tomam fragmentos dos circuitos de enervação e os combinam ao seu modo. Ou seja, fazem um trabalho de corte e costura. Assim, se quisermos acompanhar a geografia sobre a qual os sintomas histéricos se produzem, não poderíamos usar como guia um livro de anatomia. Pelo contrário, a histérica se comporta "como se a anatomia não existisse, ou como se não tivesse notícias da mesma" (p.206) .
2) Os materiais com os quais constrói esse corpo, são retirados, continua Freud, da concepção trivial, popular, que dele se tem : "a perna é a perna na sua inserção com o quadril, o braço é a extremidade superior, tal como se desenha embaixo do vestido" (p. 206). É mais o corpo do costureiro que o corpo do médico. Mas se é da concepção popular que se tem do corpo que a histérica retira os materiais para moldar o seu, então o imaginário da época, as referências estéticas, a moda, tudo isso conta.
3) Estas formas nos chegam, diz Freud, através de percepções fundamentalmente visuais e tácteis, e constituem uma representação de um pedaço do corpo, uma idéia. Este corpo que vai se formando não é um corpo harmônico nas suas dimensões. Mais parece um corpo de desenho animado, em que uma parte cresce, se alonga, até separar-se do resto. É isto que acontece quando uma idéia sobre uma parte do corpo, envolvida em uma associação subconsciente, de um grande valor afetivo, se isola, se separa da circulação das idéias, se separa do eu. O afeto excessivo englobou tão maciçamente a idéia de uma parte do corpo na vivência traumática que ela não mais poderia circular pelo resto. A paciente de Freud (1895), Emmy Von N., em seu sintoma anorético, parece mostrar com clareza essa impossibilidade de circulação: como se a idéia de suas papilas gustativas tivesse ficado aderida à força de um afeto, por ter permanecido ligada a uma certa imagem, a da gordura da carne fria que, quando criança, era obrigada a comer depois de algumas horas, porque se negava a comer à mesa. Gordura grudenta que ligou o gosto com a repugnância. Nessa aderência há um afeto, e nenhum outro pode circular pois, "não se pode comer ao mesmo tempo com asco e com prazer" (p. 102). Idéia de um pedaço de corpo que se separa do eu, do resto da imagem, instalando uma incompatibilidade de circulação entre outras idéias; idéia que adere a um afeto excessivo, de forma que outros afetos não podem circular por ela ; mais ainda, idéia que gruda o corpo a um objeto, e não o deixa circular por outros objetos.
Quando Freud (1893) quer explicar no que consiste essa impossibilidade de circulação, dá o seguinte exemplo : um súdito real não queria lavar a mão porque seu soberano a tinha tocado. "O nexo da mão com a figura do rei é tão importante para a vida psíquica desse indivíduo, que ele se recusa a fazê-la entrar em contato com outros" (p. 208 ).
Em outro historial, o de Elizabeth Von R., Freud (1895) relata como as suas pernas, que sofrem de dores intensas e dificuldades para caminhar, remetem às pernas do pai doente, de quem ela cuidava com dedicação, na posição de enfermeira tão apreciada pelas histéricas. Sobre quais pernas se instala o sintoma conversivo? Que pernas doem nas dores de Elizabeth ? Doem as pernas erotizadas de Elizabeth, marcadas pelo desejo em relação ao pai. Mas também poderíamos dizer que doem as pernas do pai. As suas dores surgem depois da morte do pai, quando Elizabeth coloca-se como objetivo garantir a felicidade de sua família, substituindo o lugar paterno, meta na qual fracassa. O que leva Freud a dizer que ela "não avançava um passo na direção de seu propósito", e que era esse o "sentido simbólico de seu sintoma" (p. 167). Elizabeth, na sua identificação, caminhava nas pernas do pai. Eu diria que as pernas de Elizabeth doem onde se grudam nas pernas do pai. Elas atualizam em seu corpo as marcas que as pernas do pai imprimiram como traço em seu psiquismo.
Retomando a questão que nos ocupa, as vivências traumáticas vão deixando em nós vestígios, impressões que entraram pela superfície de nossa pele e pela sensibilidade de nossos olhos. Vestígios que serão remanejados pela fantasia[5]. Os corpos dos personagens que fazem parte dessas cenas são corpos produzidos no interior do imaginário de uma época.
As mentalidades, os suportes mitológicos e os emblemas de cada momento recortam e disciplinam os corpos nos seus tamanhos, suas formas, suas cores e os jeitos de se tocarem. Sobre essas formas é construído o corpo de idéias no qual se apoiam os sintomas.
Cito Nasio (1987) "(...) se se aceita a importância do ambiente de formas imaginárias na determinação de uma conversão, disto se depreende que as modalidades e a freqüência das afeições histéricas dependem estritamente do imaginário que domina uma época. Nossas histéricas de hoje não serão as histéricas de Charcot, entre outras coisas porque o imaginário de Charcot é diferente do nosso. As bonecas e os bonecos desta época têm desaparecido levando consigo as histéricas de outrora" (p. 16).
Corpo erotizado/corpo organismo Há alguns anos, uma mulher de meia idade procurou-me para começar uma análise, tomada por uma intensa sensação de tristeza que, disse ela, teria se instalado alguns meses antes, quando escutou do marido a seguinte frase : "você não é mais que um pedaço de carne". Frase hostil, dura de se ouvir. No entanto, quando fui escutando os impropérios que ela e o marido trocavam, num cotidiano que tinha se tornado uma verdadeira guerra dos sexos, mas que não chegava a abalá-la em demasia, pensei que não se tratava de violência no vínculo, mas que a violência que tinha produzido o avassalamento do eu encontrava-se no bojo da própria expressão "pedaço de carne". Expressão surgida de um forte efeito de condensação, como foi mostrado no transcorrer da análise.
Ela havia passado muitos anos de sua vida cuidando do corpo, que se transformara quase em objeto de culto. O cuidado com cada pedacinho dele se completava com uma maquiagem perfeita e uma vestimenta impecável, que realçava sua beleza singular e que, ao mesmo tempo, ocultava o "pedaço de carne", que agora voltava como retorno do recalcado na própria frase.
Que corpo é esse que se esconde, que se oculta atrás da maquiagem? O corpo não sexualizado, o corpo da lacuna. É o corpo das falhas. O corpo incompleto, imperfeito; mas é também o corpo que ameaça fragmentar-se, cujos pedaços podem despreender-se, fundamentalmente em seus estrangulamentos, em seus estreitamentos. Charles Melman[6] usou a expressão "para recortar no pontilhado" referindo-se a essas zonas de estreitamento: o pescoço, o pulso, a cintura, o tornozelo: linhas que as diferentes culturas empenharam-se em enfeitar com colares, cintos, pulseiras, correntinhas, visando impedir, com esses enfeites, que o olhar deslize em direção às atraentes zonas perigosas, mortíferas (Israel, 1995). Mas o corpo que se esconde é também um corpo morto, desexualizado, o corpo da criatura, mero organismo, mero pedaço de carne, o corpo da lacuna que está permanentemente prestes a cair do mundo do humano.
Esse corpo que ameaça a histérica é aquele que normalmente ela mantém oculto atrás de um corpo pulsante, intensamente erotizado. Super-erotização que lhe outorga sua capacidade de somatizar e que erotiza o corpo do outro: foi exatamente escutando as histéricas que Freud descobriu a transferência.
Num texto de 1896, o Manuscrito K, Freud descreve a experiência primária da histeria, dizendo que esta é uma experiência passiva, que provoca horror e lacuna psíquica.
Essa experiência passiva produz um aumento da tensão que é a raiz da vivência desprazerosa e um avassalamento do eu. Nesse momento, o sujeito fica preso à experiência real, por não dispor de nenhuma significação possível para responder a ela.
O sexual falta, assim como faltam as marcas mnêmicas necessárias para que a excitação se converta em libido.
Essa idéia merece que façamos um parêntese em nossa exposição. Em vários outros textos da época, verifica-se a recorrência de uma certa temática para Freud, ou seja, a diferenciação entre as psiconeuroses e as neuroses atuais, diferenciação na qual não predominava o intuito classificatório, mas a tentativa de marcar a localização das possibilidades de analisar. Em outros termos, o que o interessava era a questão do método. E Freud situava a possibilidade de analisar justamente ali onde se fazia presente uma possibilidade de processamento dentro do psíquico. Nas neuroses atuais isso era impedido por uma espécie de curto-circuito, da tensão à descarga. Ao contrário, na psiconeurose, era possível verificar uma possibilidade de processamento que transformava a tensão em libido. É interessante notar que no Manuscrito K essas duas ordens - a lacuna e a representação - são colocadas exatamente no interior da psiconeurose, da histeria.. "Não se deve supor, diz Freud, que em cada repetição do ataque primário seja sufocada uma representação; trata-se em primeiro lugar de uma lacuna dentro do psíquico" (p. 269). Como é a representação que se reprime, há então algo que fica fora do recalcado. Isto aponta para uma problemática bastante presente na clínica contemporânea, e que alguns autores denominam "núcleos atuais das psiconeuroses". Esta expressão é usada para dar conta de certas situações clínicas nas quais pacientes neuróticos, na presença de certas condições de existência que produzem um grande montante de excitação, são impedidos de atuar sobre esse aspecto da realidade, abandonando a possibilidade de elaboração, o que produz somatizações e invasões maciças de angústia.
Mas fechemos nosso parêntese e voltemos ao tema principal. É apenas num segundo momento que o surgimento da representação-fronteira cria uma borda para a lacuna, aparecendo então um excedente sexual. Neste "só depois", o recalcamento é possível e começa a funcionar um processamento de transformações das marcas mnêmicas por um sistema de tradução. Ou seja, as percepções se traduzem em índices de percepção, em imagens e em representações-palavras. O processo de elaboração psíquica está em funcionamento, tal como descreve Freud na famosa Carta 52 (1882-1889, p. 275).
Porém, o próprio excedente sexual (na situação que nos ocupa) impedirá a tradução em representações-palavras; com isso, ao se criar um furo no discurso, aquilo que não é traduzido, e que portanto fica recalcado, aparece no lugar do furo, da falha da tradução, na forma dos sintomas conversivos.
A experiência passiva que está na origem da histeria se mantém ao longo de toda a teorização freudiana, mesmo quando o personagem ativo da sedução vai se transformando. No início é o adulto perverso (o pai que abusa ou a babá que masturba), mais tarde é o adulto cuidador (a mãe que nos seus beijos, seus carinhos, seus afagos, erotiza). A extensão dessa experiência primária, primeiramente para a neurose obsessiva, e depois até fazê-la coincidir com os limites de todo o processo de sexualização humana, torna necessário que Freud introduza a forma na qual essa experiência se rearranja a partir da fantasia, assim como os caminhos de defesa que se montam no retorno do reprimido, para diferenciar a escolha das neuroses.
O processo de sexualização cria um corpo erógeno - corpo atravessado por forças pulsionais e permeado pela alteridade - o que faz com que o comer, o beber, o andar não sejam atividades apenas comandadas pela necessidade de sobrevivência, mas também pela fantasia e pelo desejo. No entanto, permanece um resto de corpo deserotizado, desexualizado, que para a histérica aparece como uma grande ameaça, o que a leva a tentar revesti-lo cada vez que possa reaparecer. Na paciente à qual nos referimos, as mudanças no corpo introduzidas pela menopausa precoce ameaçam sua imagem, as perdas no corpo produzindo efeitos depressivos, como estamos acostumados a presenciar na histeria em momentos de "pós" (pós-parto, pós-menstruação, pós-menopausa). A máscara corre o risco de cair.
A maquiagem, que nessa analisanda escondia o pedaço de carne, também exaltava a sua beleza: seu olho, detido na busca da perfeição, usava a beleza como meio de consegui-la. Um ponto de mira, no qual a busca da felicidade e da perfeição se confundem.
Entre gritos e sussurros, o filme de Bergman, apresenta a histérica nos seus diferentes rostos, aproveitando a possibilidade oferecida pela linguagem das imagens no cinema, de que fases diferentes apareçam através de diferentes personagens (como nos sonhos).
O filme trata da circulação das mulheres ao redor do leito de morte de uma delas, sendo estas mulheres duas irmãs e uma governanta que, tendo perdido sua própria filha, lhe dispensa toda a sua capacidade cuidadora materna, capacidade atravessada pela impossibilidade de um luto. A mulher doente só consegue afogar seus gritos de sofrimento mergulhando seu rosto no seio da governanta/mãe.
Em uma das cenas, as irmãs perdem a voz, silenciando os sussurros (mistura de sofrimento e prazer) que dizem do mútuo encantamento, do mútuo maravilhamento presente na conversa temida e nos afagos desejados. Durante todo o filme, o olho da câmera circula em busca da beleza dos rostos, dos corpos, das rendas, tentando vestir o corpo doente, o corpo morto. Há no entanto um ponto-alvo no seu olhar: a mulher doente, no seu leito de morte, desfruta ainda da lembrança da mãe que passeia sua beleza pelo jardim, nos tempos de sua infância. Nesse mesmo jardim, ocorre um encontro: junto a suas irmãs, olhando para elas e aninhada no movimento do balanço, diz : "esta é a felicidade; agora, em poucos momentos posso experimentar a perfeição". Ponto-alvo que detém o tempo e nega a morte.
Quando Freud (1895) quer fazer um diagnóstico diferencial entre as dores orgânicas, hipocondríacas e histéricas, realiza tal tarefa levando em conta dois eixos: a relação entre o corpo e a fala e a relação entre a dor e o prazer. Enquanto o paciente orgânico descreve as dores com precisão e clareza, o neurastênico tem que fazer um grande esforço intelectual para descrevê-las, como se lhe faltassem palavras. A histérica, quando se refere a dores, deixa inferir que sua atenção está detida em outro lugar, em pensamentos reprimidos e sensações que se entrelaçam com as dores. Ou seja, para os hipocondríacos a linguagem é demasiadamente pobre para descrever as sensações, enquanto para a histérica sobram pensamentos, que tecem o corpo imaginado, representacional sobre o qual se produzem os sintomas.
Com relação à dor, quando se estimula um ponto doloroso em um enfermo orgânico ou em um hipocondríaco, sua expressão é de desprazer. Ao contrário, ao se estimular o ponto doloroso nas histéricas, obtém-se uma expressão de prazer, como se o toque do médico fosse uma carícia.
Segundo as palavras de Serge André (1986), a hipocondria expressa uma falta de simbolização (falta a palavra para designar aquilo que, do corpo, escapa à língua), ao passo que a conversão histérica manifesta um excesso de simbolização (o significante, aqui, anexa o corpo a ponto de lhe retirar a função orgânica) e um excesso de sexualização (os órgãos ou partes do corpo anexados pelo sintoma são levados a desempenhar um papel de zona erógena para o qual não foram destinados): "o hipocondríaco se fixa naquilo que, no nível do corpo real, detém o poder simbólico, enquanto a histérica se empenha em negar que tal ponto de parada possa existir; ela não se fixa, mas se desloca, jogando com uma extrema plasticidade corporal" (p. 134).
Plasticidade da qual temos um bom exemplo no ataque histérico descrito por Freud (1908), onde o corpo torna-se palco da "figuração pantonímica da fantasia" (p. 207), que equivale à figuração alucinatória do sonho. A enferma puxa as roupas com uma das mãos, ao mesmo tempo que, com a outra, pressiona-as contra o ventre. Multiplicidade gestual que provém de uma multiplicidade identificatória, jogo em que se encontram simultaneamente presentes o lugar do homem que violenta e da mulher que é violentada. Expressão da intensa atividade fantasística presente na histérica.
Essa intensa atividade fantasística, assim como a plasticidade identificatória, parecem colocá-la no mundo como uma espécie de radar para captar aquilo que "não pertence a ninguém", construindo sua máscara tanto com aquilo que é manifesto da moralidade do momento, como com as aspirações sexuais mais ocultas para o ethos da época. Em certos momentos é quase violentada pela cultura que lhe imprime no corpo seus emblemas mais presentes. Mas em outros, parece violentar o que está à sua volta, ao se fazer de porta-bandeira dos movimentos de transformação[7].
No citado filme de Bergman, a hipocrisia vai se escancarando na relação amorosa entre uma das irmãs e o personagem do seu marido, com quem partilha as cenas. Seja no que diz respeito ao trabalho, à mesa, à cama, é sempre uma mesma frase que se repete: "é tudo uma mentira". Num certo momento, em que uma relação sexual - que nada tinha de um encontro amoroso - iria acontecer, ela se serve de um pedaço de cristal do copo que quebrara sobre a mesa para cortar-se o corpo, exatamente no lugar de seu sexo, lambuzando-se no próprio sangue, que esfrega no rosto, no qual exibe fulgurante o prazer auto-erótico.
Ao mesmo tempo, no movimento de fuga da "criatura", do corpo, mero organismo, surge na histérica uma "voracidade da simbolização"[8] o que a deixa particularmente influenciável ao que a mídia lhe oferece, com a promessa de que se tornará suficientemente perfeita para cativar o amor do outro. Não esqueçamos que, na teorização sobre a neurose, em Inibição, sintoma e angústia, Freud (1926) vai afirmar que a perda do amor como condição da angústia, tem na histeria um papel semelhante ao que desempenha a ameaça de castração na fobia, e a angústia frente ao superego, na neurose obsessiva.
A intensidade da ameaça do corpo deserotizado relaciona-se na experiência da histérica, com a fragilidade de sua imagem corporal vacilante.
Fragilidade da imagem corporal O que Dora procura? É o que pergunta Freud em Fragmento de análise de um caso de histeria (1901). E ele responde: ela está atrás da caixinha, da estação, da feminilidade. A caixinha, segundo afirma no texto sobre os três cofrinhos (1913), é o símbolo da própria mulher.
Onde é que Dora procura a mulher? Procura-a na imagem da Madona. Numa visita ao museu de Dresde, permanece duas horas diante do quadro da Sixtina de Rafael Sancio, olhando a Madona com calma e admiração.
Freud esclarece que, nesse estado de admiração, Dora encontra-se identificada com seu próprio "adorador", o jovem que lhe enviara os postais que estão na caixinha pela qual tanto procura. Este jovem deambula pelo estrangeiro, forçando-se a alcançar uma meta. Se Dora tinha este jovem na cabeça, podemos pensar que sua meta fosse a posse de uma mulher que, como diz Freud, é Dora. Adorando a Madona, ela procura então a própria Dora.
Descobrir a própria imagem e fundir-se fantasmaticamente nela: é essa a busca que a guia nesse olhar fascinado diante da imagem da Madona. .
Mas Dora encontra a imagem de mulher numa cartografia própria do discurso masculino, exatamente aquele que Freud (1912) estuda no texto sobre a escolha amorosa nos homens .
Discurso que divide as mulheres nas categorias da mais santa, a intocável, e a mulher vulgar, a prostituta. A Madona é a mãe virgem, a mulher completa, capaz de reproduzir-se sem a necessidade de um homem. Mulher idealizada, à qual se opõe a figuração de um outro quadro (que vira numa exposição dos Seccionistas e que aparece na análise na seqüência das associações) no qual a imagem (Bild) passa a ser uma Weibsbild (mulher no sentido pejorativo, bosque, ninfas). A palavra usada por Dora para referir-se à caixinha é Schachtel, termo pejorativo em sua designação da mulher [9].
Onde Freud encontra a mulher no texto? Encontra-a por dois caminhos diferentes: a) pela simbologia ligada ao objeto concreto, na similitude da forma da caixinha e do genital feminino; b) através da similitude da palavra na sequência estabelecida durante a análise entre os termos Bahnof (pátio de trilhos), Friedohof (pátio de paz) e Vorbof (pátio interior), que designa uma parte do genital feminino.
Dora dirige suas perguntas à mãe. Mas depara-se com a surdez materna, o que a irrita, fazendo-a protestar: "Já perguntei cem vezes!" Sua mãe encontra-se demasiadamente tomada pela ordem e pela limpeza. Seu olhar está absorvido pela idéia de um eu impecável, sua surdez mostra-a fechada a si mesma, como quem é incapaz de aceitar a incompletude. Privada pela mãe de um necessário reconhecimento narcísico, Dora aliena imaginariamente em outra mulher sua pergunta pela feminilidade. Ao mesmo tempo, dada sua fragilidade narcísica, é intensa a demanda de reconhecimento que dirige ao pai. Pai visto por ela como impotente, o que demonstra que ela não teria renunciado ao pai ideal.
Pai ideal, lugar do ideal ocupado pelos substitutos, os mestres, aqueles que supostamente detêm o saber sobre ela própria. O que certamente nos remete à estrutura da transferência. Saber que ao mesmo tempo ela desafia, sobretudo se lhe for oferecido com acabado. É o que Freud nos diz ao relembrar, em Interpretação dos Sonhos como, no dia seguinte em que lhe explicara sua teoria sobre os sonhos, a paciente chega dizendo: Você diz que os sonhos são uma realização de desejos. Tive um que é justamente o contrário. Como conciliar isso com sua teoria?
Um espaço de saber
As histéricas designam seus mestres, outorgando-lhes toda a inventividade, inclusive a capacidade de criar a elas próprias. Fetichizam o saber do médico, oferecendo-lhe no seu corpo aquilo que este deseja saber. Ainda que para fisgar o desejo do Outro, é preciso que sacrifiquem o próprio corpo, encarnando, dramatizando e mostrando em seus sintomas um saber que lhes advém do olhar do mestre.
Já afirmamos que as histéricas se transformam de acordo com as transformações do ambiente. E como cada cultura define uma forma de relação com o próprio corpo e com o corpo do outro, essas maneiras de relacionar-se com a corporeidade, assim com as maneiras de amar e de sofrer, não podem ser consideradas "naturais", nem "universais".
Piera Aulagnier (1991) já se perguntava: "o que significou para a relação com nosso corpo o declínio do discurso religioso em proveito do discurso científico?" (p. 15), apontando como, no primeiro, o desejo, na origem e no destino do corpo, tem um lugar que lhe foi negado no segundo. Além disto, antes de converter-se em objeto de observação e investigação, o corpo - tanto para o erudito quanto para o profano - era um corpo unificado e visual, sendo-lhe preservado um interior com dimensão invisível, ao qual era possível referir-se através de "metáforas compatíveis com suas construções fantasmáticas". No momento em que esse interior torna-se visível, a ciência irá fragmentá-lo, e o leigo só pode conhecê-lo fiando-se no saber do especialista.
O "mal-estar" presente em cada cultura, assim como a "moral sexual" encontram-se no cerne das apresentações da histeria, que irá expressar não só aquilo que é considerado "valor", mas também o recalcado de cada momento cultural. Nesse sentido, quando pensamos a contemporaneidade, quando percebemos como nossa sociedade se transformou em "sociedade de espetáculo"[10], quando nos deparamos com um momento em que o interior do corpo é quase que completamente "escaneável" por aparelhagens cada vez mais sofisticadas, numa época em que os cortes no corpo real acontecem com facilidade crescente nas mãos dos cirurgiões plásticos em obediência ao imperativo "é proibido envelhecer ", cabe perguntar: que espaço vai restando para o espetáculo particular das histéricas? Em que recanto poderiam elas encontrar lugar para exercer sua linguagem de corpo, para fazer o corpo falar em seus sintomas cambiantes e enigmáticos, pedindo deciframento? Que lugares restam para os sintomas recortados[11]?
Meu interesse maior centra-se no seguinte ponto: sabemos que, se a apresentação das histéricas muda de acordo com as transformações do ambiente, então ela fundamentalmente se transforma de acordo com a concepção que delas se faz, ou seja, ela muda porque os mestres mudam. É aqui que desejo me deter. O aparecimento da Psicanálise no início do século XX (século que traz sem dúvida muitas de suas marcas) introduziu importantes modificações em vários campos de saber. Conhecemos por exemplo, a esse respeito, os debates de Freud com pensadores de sua época, sobre temas como as localizações cerebrais e a etiologia das neuroses. Sabemos das importantes mudanças que a Psicanálise trouxe para a Psicopatologia. Até seu surgimento, esta última reduzia-se a um ordenamento dos sintomas das doenças mentais que pouco se diferenciava da semiologia médica. A partir da perspectiva introduzida por Freud, a Psicopatologia e a Metapsicologia tornaram-se inseparáveis, os sintomas passando a ser vistos como expressão daquilo que ocorre entre as instâncias psíquicas. E nessa perspectiva, a etiologia sexual é fundamental.
Durante várias décadas a própria Psiquiatria apoiou-se na Psicanálise. No entanto, neste final de século, o avanço das correntes organicistas fazem-na buscar seus fundamentos na Biologia, e a Psicopatologia passa a procurar a garantia de sua cientificidade nos instrumentos das neurociências (Birman, p. 39), afastando-se cada vez mais da etiologia sexual e da história individual como lugar de constituição da singularidade, e esforçando-se para colocar fora de circuito a própria subjetividade daqueles que com ela lidam. Foi nesse contexto que o termo neurose despareceu do DSM III, multiplicando-se em seu lugar, a cada dia, as chamadas síndromes: de pânico, transtornos alimentares,transtornos somatiformes, transtornos obsessivo-compulsivos, depressões, síndromes do mau-humor ou da paixão. Encontramos aqui a sistematização de repertórios sintomáticos, que se tornam assim informatizáveis, organizados em torno da medicação que supostamente irá tratá-los, mas que, analisados do ponto de vista metapsicológico, mostram que expressões psíquicas muito diversas estariam sendo indevidamente reunidas sob uma única denominação.
O leitor talvez esteja se perguntando o que nós, os psicanalistas, teríamos a ver com tudo isso. A prática psicanalítica e a clínica psiquiátrica são duas coisas diferentes. De acordo com a visão psicanalítica, a Psicopatologia não pode ser separada da Metapsicologia, nem as neuroses da etiologia sexual; as hipóteses diagnósticas não são construídas a partir dos sintomas. Já em Fragmento de uma análise de histeria (1901), Freud afirma: "sem vacilar chamaria de histérica qualquer pessoa, seja ela capaz ou não de produzir sintomas somáticos, em que uma situação de excitação sexual provoque exclusivamente sentimentos de desprazer"(p. 27) . Além disso, do ponto de vista psicanalítico, as hipóteses diagnósticas só podem ser construídas na singularidade, e tendo como bússola a transferência que nos indica o lugar de conflito.
No entanto, para o tema que nos ocupa no presente texto, o das "epidemias histéricas", não é possível negligenciar a questão do saber psiquiátrico. A histeria contemporânea é fundamentalmente mediática. E as concepções psiquiátricas e psicopatológicas ocupam um lugar incessantemente crescente no espaço simbólico e da mídia, oferecendo assim verdadeiras ondas que convidam tentadoramente a serem nagevadas, ondas nas quais a avidez identificatória da histérica se dispõe de muito bom grado a embarcar.
Vemos assim que, embora os sintomas conversivos não tenham deixado de existir, como tampouco as amnésias e a bela indiferença - que em nossos dias se apresenta, entre outras formas, como tedium vitae - hoje a "máscara" histérica parece em alguns casos ter caído, provocando um deslocamento: a ansiedade maciça, os tremores, os pânicos tomando seu lugar, tocando o limite das fobias; em outros momentos, a acentuação da dissociação conduz quase às bordas da perversão ou ainda em outros é a depressão que parece ter tomado conta do corpo. Cabe perguntar em que medida esses deslocamentos são testemunhas do próprio discurso fragmentário a partir do qual são olhados, até que ponto não seriam resultantes das tentativas de desubjetivação da própria histérica e do médico. Ou ainda, do próprio recalcamento do pensamento psicanalítico que se realiza com a eliminação do termo neurose.
De qualquer maneira, seja sob formas nas quais o recalcamento é mais efetivo, seja naquelas formas mais loucas (as loucuras histéricas), seja em apresentações sintomáticas que até agora nos eram mais familiares, ou em outras novas, que dia a dia vão ocupando cada vez mais espaço, as histéricas continuam sempre presentes na clínica cotidiana, para nos colocar no lugar do saber e para mostrar como esse saber é limitado.
Silvia Leonor Alonso
E-mail : silvialonso@uol.com.br
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